6 de fev. de 2025

"COCA COLA COM LIMÃO E GELO"

 (Isso não é uma publicidade para a Coca Cola. E nem é um artigo formal)


Meu caro, minha cara...


Lendo comentários aleatórios de publicações aleatórias aqui no linkedinho, me deparo com algumas situações exdrúxulas. Um exemplo: uma pessoa posta o print de um trecho de uma conversa que teve com outra no whatsapp e, desse trecho, sai uma reflexão.

Daí vem um Zé Mimimi (ou dois, ou um monte) que começa a jogar várias suposições no ventilador. E à medida que as suposições vão dando cria, o nível de emputecimento do motoboy de treta aumenta. A troco de que? De nada, óbvio.

A treta da semana passada foi sobre processo seletivo. Ou melhor: sobre a fase de recrutamento. Uma pessoa convidou um candidato para uma entrevista, mas o candidato recusou a vaga porque batia com o seu horário da academia. Nos comentários, havia uma galerinha (os "Zés Mimimis" que falei a pouco) com suas suposições e teorias e - ao final - o veredito de alguns foi que a recrutadora era uma pessoa intransigente por falar que todos os empregos iriam conflitar com o horário da academia do candidato.

Com base nisso - e com base nas histórias que eu acumulei durante a minha carreira - eu posso dizer que fiquei bem desgostosa. Porque essa galerinha do "assumption is my passion" acha que esse tipo de situação acima é esquete.


E o duro é que quem trabalha com RH sabe que NÃO É ESQUETE!


Quer ver como que não é? Vou te provar.


Estava eu em Rio Verde, nos idos de 2015...

...viajando a trabalho. Era a 2a vez que eu ia para lá pois uma das regionais que eu prestava serviço precisava de um apoio do RH para umas coisas.

Fiquei num hotel ótimo: novinho em folha, tudo funcionando, a cama era maior que meu quarto em Ribeirão Preto. Além de mim, outras pessoas da mesma empresa estavam na cidade, cada uma de um setor diferente.

Combinamos no café da manhã que todos iríamos nos encontrar à noite no saguão do hotel para ver onde iríamos jantar. Terminamos o café e cada um pegou o seu caminho da roça.

Quando nos encontramos à noite (estávamos em umas... 7, 8 pessoas...), decidimos que jantaríamos no próprio hotel. Além de nós e outros poucos clientes, estava uma comitiva imensa da Monsanto - e toda a estrutura do hotel estava praticamente por conta deles naquela semana de dias de campo.

Por isso, quando sentamos no restaurante do hotel, ninguém veio nos atender. Passou 20 minutos, apareceu uma menina atarantada, pegando nossos pedidos. Mal anotou os pedidos e saiu para atender o pessoal da Monsanto. Outros 15 minutos se passaram e apareceu a mesma menina pegando nossos pedidos novamente. Já havíamos nos arrependido de termos feito essa escolha quando o primeiro prato aparece, 5 minutos depois. Outros dois pratos apareceram 20 minutos depois do primeiro. E foi assim que os pedidos foram chegando: com 10, 15, 20 minutos de diferença um do outro.

E eu, que sou uma pessoa abençoada pela sorte, tive meu pedido anotado três vezes - e solenemente ignorado em todas elas.

Pela última vez, já azul de fome e muito irritada, passei meu pedido para a menina. Ao final, ela me perguntou se eu queria algo para beber e eu disse "Sim: me traz uma Coca Cola com limão e gelo, por favor."

A menina olhou para mim.

Olhou para seu bloquinho de pedidos.

Olhou para mim.

Olhou para a porta da cozinha.

Olhou para a geladeira dos refrigerantes.

E proclamou:

"É que só tem latinha!"

Na hora eu saquei o que aconteceu. Ela não entendeu p&#*@ nenhuma...

Respirei fundo, mega irritada, peguei um copo que estava sobre a mesa, olhei para ela e falei:

"Você vai pegar esse copo, vai lá na cozinha, pega duas rodelas de limão, vai encher esse copo com cubos de gelo, vai voltar aqui para o salão, passa naquela geladeira, pega uma latinha de Coca Cola e traz para cá a latinha de Coca Cola, com o copo, as rodelas de limão e o gelo."

(em minha defesa, na época eu era a Marol do Velho Testamento e a mesa toda respirou aliviada por eu não perder o meu réu primário naquele momento. E eu estava com muita fome na hora)


Sabe o que aconteceu?

A guria respirou aliviada e fez exatamente isso!


E qual a moral da história?

Não tem moral nenhuma, não.

Mas tem uma constatação: há pessoas que não tiveram a oportunidade de ter contato com experiências e conhecimentos que a fariam capaz de interpretar um pedido como o que eu fiz.

(ou alguém aqui acha que a Coca Cola faria uma edição de refrigerante + rodelas de limão + cubos de gelo dentro de uma latinha para colocar em vending machine?????????)

Aquela menina foi contratada temporariamente para dar uma força naquela semana, ela não era garçonete, não teve treinamento para isso (nem tinha uniforme do hotel!). Ela foi "jogada" ali com a instrução "pegue os pedidos dos clientes, leva para a cozinha e depois entregue os pratos que eles pediram".

(eu já trabalhei com isso e posso dizer que é bem mais complexo do que muitos imaginam)

Quando eu descrevi o processo da "Coca Cola com limão e gelo", o rosto dela se iluminou! Ela nem percebeu que eu estava pronta para cometer um assassinato (o dela, no caso).

E é isso que a gente (do RH) tem que lidar: com toda a sorte de pessoas, em todos os tipos de situações. E são pessoas como aquela garota de 18 anos que muitas vezes a gente se depara: sem instrução formal, sem orientação, sem histórico de experimentação, sem alguém que a instigasse a ir além... teve pouco ou quase nada para alimentar sua massa cinzenta.

Assim como tantos outros, aquela moça aprendeu a ler, escrever, fazer as 4 operações matemáticas básicas e foi jogada para o mercado de trabalho para ser mão de obra barata... E vamos ser sinceros aqui: hoje, quem tem diploma universitário já cai nesse moedor de carne chamado "mercado de trabalho" pra ganhar uns 2 salários mínimos... que dirá quem mal completou o Ensino Médio (ainda mais agora, com esse desastre no "Novo" Ensino Médio...)

Vai ter gente que vai ler essa história e vai falar: "nossa, você foi bem escr0t@ com essa menina, heim?". E sim: eu fui. Infelizmente fui um serumaninho mega arrogante no passado e não dá para negar isso - mas dá para assumir o erro e mudar, que é o quevenho fazendo desde então.

Só que o fato permanece: quando o assunto é GENTE, temos que tirar leite de pedra muitas vezes... Nem sempre temos a sorte de acharmos profissionais com formações e/ou experiências impecáveis. Boa parte do tempo temos que trabalhar com o que tem. E daí temos que ser diretos, objetivos, falarmos a verdade, orientar o que pode e o que não pode fazer, ver se está fazendo certo ou errado, treinar, conferir, conversar, ensinar o chefe a liderar equipe, tomar um café junto com a pessoa, puxar a orelha quando necessário, elogiar quando necessário, brigar com o chefe em prol da pessoa quando necessário, tirar as dúvidas, treinar de novo, falar a verdade sempre, orientar, orientar, orientar...

Se, por um acaso, você tiver um coleguinha que for do tipo que acha que mora num planeta onde esse tipo de situação é uma fanfic, mande esse texto para essa pessoa. É possível que lla continuará achando que mora num mundo onde os adultos são seres "essencialmente racionais, sensatos e interessados no bem comum e na busca pelo conhecimento".

Contudo, meu caro e minha cara, nós três sabemos que esse mundo não existe.


Ribeirão Preto, 06 de fevereiro de 2025