12 de fev. de 2012

PODRE.

Meu caro, minha cara,

            Decidi que escreveria outra coisa. Estava em outro texto, abordando outro assunto, quando percebi que o assunto se esgotou antes de eu terminá-lo. Não seria justo escrever sem inspiração. Não seria justo escrever algo que seria somente informativo.
            Por esta razão, abri outro arquivo no Word e comecei a escrever ao léu...

            Ontem à noite, enquanto tentava dormir, fiquei praticando um dos meus esportes preferidos: imaginar. “Imaginar o quê?”, perguntaria qualquer pessoa normal. Tudo. Qualquer coisa. Sempre fui boa nisso e tomei a prática como esporte: acalma minha alma, descansa meu cérebro, brinco à vontade e encho a cara de serotonina.
            (não que isso me dê um sono tranquilo... mas isso é outro assunto)
            Bom, voltando: estava eu imaginando quando, de repente, ativo a função “Lembrar” no meu cérebro. Lembrei-me de algo que meus pais e eu conversávamos neste último final de semana, quando estava em Mococa: “É, Carolina... Afinal, você tem um dedinho podre para escolher as coisas...”.
            Quem me disse isso foi meu pai e minha mãe balançava a cabeça, concordando. Ai, como dói!!! Eu fico me colocando no lugar deles: como se sentem tendo uma filha que tem “dedo podre para várias coisas”?
            Cabe aqui, meu caro leitor, explicar (com um exemplo) o porquê desta afirmação. Um deles é: tenho dedo podre para escolher onde vou morar (segundo meus pais, inicialmente). Não digo só a casa, mas também as companhias. Para eles, meu dedo é podrérrimo para isso. E esta constatação começou quando fui para a faculdade.
            Estava lá eu, bela e formosa, no meu primeiro ano de faculdade, morando em uma pensão com outras sete criaturas. Eu me achava a Rainha da Cocada Preta, quando a dona da pensão chamou todas nós para ter uma conversa franca: sessão terapia em grupo. Afff... Foi horrível: todas, sem exceção, tinham alguma coisa para falar do meu comportamento. O quanto eu era egoísta, espaçosa, folgada, insensível, etc, etc, etc... E eu, insensível até então, não notara nada disso. Eu era cega e naquele momento eu via. Ah, Sócrates... Saí da caverna...
            Fiquei desolada, me sentindo culpada. Uma coisa era meus pais dizerem que eu era espaçosa. Que pai e que mãe não vai dizer que o filho bagunceiro não é espaçoso? Só um casal de pais imbecis!
            Mas meus pais não são dois imbecis...
            Daí, resolvi sair da pensão e fui morar na minha primeira república. Dei um azar danado: achei alguém pior que eu, mas eu ficava pensando “Senhor! Será que sou eu? Isso é a reação dela a mim?”. Desta feita, pensava se eu não era toda podre, ao invés de ter só o dedo nesse estado cadavérico. Foi um ano péssimo. 2001 foi horrível. Muita coisa aconteceu, incluindo um término ridículo de um namoro desastroso.
            (dedo podre para escolher alguém para ficar ao meu lado? Nem discuto agora. Farei isso depois, se for o caso)
            Chutei o pau da barraca, me mudei mais uma vez e tive mais problemas de relacionamento... Brigas, intrigas, birras... Afff... Credo! Será que era eu? E lá estavam meus pais, me lembrando da necrose psicológica de alguns membros periféricos de meu corpo. E eu lá, pensando “onde foi que eu errei”? Meu irmão, todo certinho, ralando, trabalhando, insistindo em vencer na vida e eu, reclamando, reclamando, reclamando... Perdendo tempo com bobagens.
            (nota: hoje o Ricardo serve de exemplo para mim e para muita gente no que se refere ao que acontece com pessoas que se esforçam na vida e têm controle pessoal sobre seus ganhos e gastos)
            Mas, voltando à vaca fria: o tempo passou, continuei nessa casa, pessoas vieram e foram embora. Foi nesse período que eu descobri que, assim como eu, várias pessoas têm problemas de relacionamento. E o motivo não era só o dedo podre. Era uma questão de postura, de empatia e de comprometimento. Até quanto você está disposto a abrir mão e até quanto você está disposto a fincar o pé? Consegui, assim, amigas para toda uma vida; pessoas que eu brigo para que sejam melhores, para que abram os olhos; pessoas com quem eu me divirto, falando as maiores bobagens e brincando, mas brincando muito mesmo, feito criança. Descobri, sendo amiga delas, que eu tenho um prazer enorme em ajudar quem eu gosto, e um prazer inenarrável de ser indiferente com quem eu detesto. “Aos amigos, tudo. Aos inimigos, a lei”. Benedito Valadares sabia das coisas...
            (vamos esclarecer uma coisa: eu gosto de ajudar, mas não gosto de ficar ouvindo lamúrias... Sempre me lamuriei muito e estou, há alguns anos, trabalhando para parar de desfiar o rosário de desventuras na minha vida. Por isso, não sou boa com compaixão - a menos que me peçam antes para eu ter essa postura. Aí sim eu consigo organizar meus conteúdos internos para ser uma boa ouvinte. Mas me avise antes, por favor... Não queira me pegar desprevenida, pois não vai prestar...)
            E chega o final da faculdade. E volto a morar com meus pais. E a gente ficou brigando por um pouco mais de um ano. E o meu dedo podre se revelou em todo seu esplendor e glória: eu, psicóloga formada, não conseguia fazer meus pais entenderem que eu não era vidente e não lia pensamentos. Eu, psicóloga formada, não sabia como fazer meus pais entenderem que havia muitos recursos internos e muitas conexões psicológicas que tornavam inútil a conversa entre nós, nos termos apresentados por eles.
            Então, resolvi (finalmente), usar o que eu havia aprendido para dar a entender a eles o que eles queriam: eu passei ouvi-los. Estava cansada de ouvi-los dizer que havia algo errado comigo... Fui fazer a experiência clínica e me pus a ouvir a queixa inicial desse casal de pais.
            No começo, eu gritava por dentro. “Tá errado! Eu não sou assim, do jeito que vocês estão falando que eu sou! Eu sou assado!!!”. Mas ficava quieta,   pois era deles que vinha minha tigela de mingau (para maiores informações sobre, leia o conto “O duende da Mercearia”, de Andersen). Depois, ficava analisando de onde eles tiravam tudo isso que me diziam... E algo aconteceu! Fiat Lux!!!Faça-se a luz!!!”. Tive que cortar a própria carne: o quanto eu era orgulhosa... (e ainda sou...)
            Depois disso, percebi que meus pais tinham se acalmado comigo. O que havia começado como uma estratégia para eles pararem de implicar com meu modo de ser acabou se tornando uma estratégia para eu melhorar como pessoa.
            Tenho um livro dos “Alcoólicos Anônimos” comigo (não! Eu não sou alcoólatra! Hoje em dia eu bebo água com gás, num copo com gelo e limão, porque é mais barato e eu não fico fazendo estragos na minha vida social... Mas eu ainda bebo e gosto de beber). Eu ganhei o livro “Os Doze Passos e As Doze Tradições”. GANHEI, tá? Cavalo dado não se olha os dentes. Pois bem: ganhei o livro e o primeiro passo é “Admitimos que somos impotentes perante o álcool - que tínhamos perdido o domínio sobre nossas vidas”. Guardadas as devidas proporções, quando se tem um problema, o primeiro passo é admitir que temos um problema e que ele está infernizando nossa vida porque nós nos deixamos levar por ele.
            Lembro aqui (se me permitirem o paralelo) dos Doze Trabalhos de Hércules. Nesta história, o primeiro trabalho que Hércules recebeu foi o de lavar os estábulos do rei Aúgias: o estábulo abrigava 3.000 bois e não era limpo há 30 anos. Hércules, com sua força monumental, alterou o curso de dois rios, para que passassem por dentro do estábulo, deixando-o limpinho. Por que me lembrei desta cena? Porque, até para um semideus, tarefa é tarefa, não importa o quanto ela é suja. Se Hércules teve que enfiar a mão na merda para conseguir algo, por que meros mortais deveriam ter destino menos odorífico?
            Assim, admito que tenho um problema: meu dedo é podre. E, contra ele, eu tenho que trabalhar muito...
E começou a se revelar com a escolha de algumas companhias no passado.
            (mas são algumas, tá? Não todas. O nº de amigas legais que tenho aumentou sensivelmente depois que admiti que tenho um pezinho no Lado Negro da Força...)
            Contudo, partindo do princípio que sou minha primeira companhia, eu tenho o dedo podre para algumas decisões que eu tomei para mim. As coisas com que eu gasto meu dinheiro, meu tempo, minha saliva, minha beleza... Várias coisas eu escolhi errado.
            E eu admito todas elas.
            O segundo passo do AA é admitir que há um Poder Superior maior do que nós - e coloco aqui que esta concepção de “Poder Superior” não tem nada a ver com religião. Tem a ver com humanidade. Somos finitos, falhos e nossa inteligência é limitada. Não nossa criatividade. Por isso, temos que verificar - e admitir - até onde vai a nossa capacidade de realização e a nossa necessidade de ter fé naquilo que não está em nossas mãos. Dai a cada um sua exata medida.
            Este é, para mim, um divisor de águas, onde se concentra a minha postura de vida: o que é meu e o que é do outro; o que está ao meu alcance e o que não poderei ter; o que é de minha responsabilidade e o que é da responsabilidade do outro OU o que é da minha responsabilidade e o que é acaso?
            Não há nada no mundo, nem recompensas, nem castigo. O que há são conseqüências” (Robert Ingersoll). Essa frase resume bem muitas coisas.
            Isso também me dá uma noção de limites e, por incrível que pareça, de liberdade: sou livre para fazer o que eu quiser dentro do meu raio de ação. Cabe a mim decidir sobre o que faço ou deixo de fazer dentro dele. Cabe a mim, também, aguentar as conseqüências.
            E são as conseqüências com as quais eu estou tendo que lidar agora.
            No início deste texto, eu disse que eu daria um exemplo do porquê do dedo podre. Comecei falando das pessoas com quem convivi e, de forma mais branda, das escolhas que fiz para mim. Eu poderia citar outros exemplos: escolha da carreira e dos lugares aonde fui trabalhar, escolha dos namorados que eu tive, escolha de como tratei as pessoas da minha família... Todos seriam bons exemplos, mas, ao fazê-lo, faria também uma devassa na minha vida. E meu intuito não é esse.
Eu confesso que tenho medo desse meu dedo podre. Geralmente ele nunca traz nada de bom para ninguém, mas acredito eu, com a experiência e ouvindo os outros, ele pode ser extirpado. O duro é quando o tempo passa e percebo que tenho um membro que, ao invés de se juntar aos outros e me ajudar a segurar as rédeas da minha vida, tem vida própria e “me engana”.
Nesses casos, eu sei (conscientemente eu sei) que a Humildade e o Conhecimento são armas fortes contra as indicações malfadadas. Mas fico me perguntando: “Qual o limite? Qual a medida?”; “Quanto eu sei que minha decisão é baseada em dados, em fatos, ao invés de sonhos e falsas interpretações?”; “Em qual medida os passos que dou são motivados pela minha Vontade de dobrar a Realidade ou pela própria Realidade?
            É difícil, isso! Tá achando que é bolinho?

            Eu confesso: ainda não confio em todas as decisões que tomo por causa desse detalhe. Ainda necessito de apoio e muitos conselhos. Eu me envergo por ter um dedo assim. Ninguém gosta do que é podre...

(Ribeirão Preto, 09 de fevereiro de 2012)   

3 de fev. de 2012

SOBRE A ESPERANÇA (E OUTROS MALES)

Meu caro, minha cara,

                Estou aqui sentada em frente ao computador, pensando em como organizar as letras para por a termo minhas elucubrações sobre a Esperança... Para tanto, faz-se necessário explicar por que desejo tratar sobre este assunto.
Porque estamos no início de um ano!
                Não importa o ano (no caso, 2012). O Ano Novo sempre será novo até o Carnaval. Pelo menos, é isso que se espera dele. E sinto isso porque, no frigir dos ovos, é isso que esperamos de nós mesmos: gestos nobres e pueris, sorrisos frugais e a sensação de termos à nossa frente muito tempo a nos esperar...
                Ao final de 2011, recebemos os “sinceros votos de um Próspero Ano Novo”. Seja de parentes, amigos, comerciais de TV ou malas diretas, os “votos” de “Ano Novo” sempre são dados, ou até esbanjados, independente do grau de sinceridade e compromisso envolvidos.
                E tudo isso, meu caro e minha cara, tudo se liga a uma palavra que adoramos utilizar: Esperança.
                Encanta-me conhecer a origem das coisas. Isso me torna mais íntima delas. Se buscarmos a origem da palavra “Esperança”, veremos que ela vem do latim spes, que significa “sentimento de quem vê como possível a realização daquilo que deseja; confiança em coisa boa”. Logo, “Esperança” tem um sentido muito próximo de “Fé”. Mas não podem ser confundidas.
                Além desta apresentação etimológica, não sei ainda se é minha pretensão discutir outros aspectos históricos sobre o assunto. Prefiro os míticos, que são mais divertidos.
Poucos sabem da história completa de como a Esperança foi apresentada ao mundo dos homens (e tomo aqui a liberdade de satisfazer um pouco da minha vaidade... Adoro mitos, contos, lendas e afins, assim como adoro contá-los).
                Os tempos eram outros e os deuses também. Prometeu (que não era um homem, mas um titã) havia roubado o fogo dos deuses e o deu de presente aos homens. A conquista do fogo é considerada uma das principais aquisições tecnológicas da vida humana. Por isso, Prometeu recebera como castigo a prisão em uma pedra, acorrentado, onde todos os dias uma águia viria para se alimentar de seu fígado e todas as noites, seu fígado cresceria. Mas este foi o castigo de Prometeu. Aos homens, Zeus reservou outro: a mulher.
                (...)
                Zeus pediu a Héfesto e Atenas que criassem um ser belo, frágil, cativante, persuasivo, aconchegante, paciente, inteligente e caloroso, qualidades que até hoje muitos homens pedem que as mulheres tenham. Mas Hermes também deu sua contribuição: colocou no coração da mulher a traição e a mentira. Zeus deu a este ser o nome de Pandora - a primeira mulher, e a enviou aos homens, como um “presente” ao rei Epitemeu.
                Acontece que Epitemeu tinha uma caixa, onde guardava todos os males deste mundo. O mundo, para quem não sabe, naqueles tempos era um lugar muito bom para se viver. Imagine morar em um local onde você não tem que se preocupar com nada, pois nada lhe fará mal? Não é o que todos esperam?
                Epitemeu disse para sua esposa que aquela caixa não deveria nunca ser tocada. Porém, a curiosidade bateu, e Pandora abriu a caixa... E lá se puseram a correr para fora a Fome, a Doença, a Guerra, a Discórdia, a Inveja, entre tanta coisa considerada má. Para evitar mais encrenca, Pandora fecha a caixa quase que imediatamente e – surpresa! – a única coisa que resta lá dentro é a Esperança...
                Curioso saber que a Esperança estava no mesmo local que coisas consideradas ruins. Curioso saber que foi uma mulher – não um homem – que liberou ao mundo aquilo que degenera o homem. É como se antes o Tempo não existisse e, com isso, também não existisse o seu caminhar por sobre as coisas mundanas.
                E o que tem a ver spes com a caixa de Epitemeu e com o Ano Novo, você deve estar a se perguntar? Todo Ano Novo é considerado por muitos como o mundo que havia antes da caixa de Epitemeu ser aberta. O Tempo não incide sobre nós nem em nossos desejos quando o ano é “novo”. Tudo é confiança no que há de melhor, e mais nada.
                E para que? Para vermos que, depois dos brindes, todas as coisas ruins continuam lá e nos restar apenas a esperança de que elas não sejam tão ruins assim desta vez... Que o ano seja misericordioso com nossos votos de prosperidade e que, por fim, cansados, apenas desejamos que ele passe depressa... “Ai meu Deus, faça esse ano acabar logo, que venha logo o Ano Novo e que tudo recomece bem!”, é o que muitos invocam.
Há aqueles que são piores. Se “a Esperança é a última que morre”, para muitos outros ela a única a que se valem o ano todo. Mesclam a Esperança com a Fé e por si só este gesto basta. Frente ao Mal, só se faz juntar as mãos e rezar, se enfiar na cama e esquecer que o mundo gira, acreditar, mais uma vez, que fazendo as mesmas coisas o resultado poderá ser diferente (e melhor) do que já se apresentou até o momento.
Da mesma forma que spes gerou a Esperança, gerou também a Espera. E Esperar é muito mais do que deixar o Tempo passar. É característica de quem não têm em suas mãos os meios para por em prática aquilo que se quer. É ser passivo à ação do Outro. É estar à mercê.
Logo, embora a Esperança seja o voto de esperar pelo melhor, é, na mesma medida, a admissão de que não há nada mais a se fazer além do que já foi feito. Por isso assistir uma pessoa que só tem a Esperança como companhia é uma das coisas mais dolorosas e desesperançosas que se possa testemunhar.
Pensaria, então, quão desgraçada foi Pandora ao abrir aquela caixa. Mas eu digo o contrário. Como o adverso é necessário para nosso crescimento, pois é através dele que percebemos se há ou não necessidade de esperar por algo ou fazer algo acontecer. Daí, vemos nosso real poder. Valho-me de Nietzsche nesses momentos: "A todos com quem realmente me importo, desejo sofrimento, desolação, doença, maus-tratos, indignidades, o profundo desprezo por sí, a tortura da falta de auto-confiança, e a desgraça dos derrotados". Quer situações melhores para por à prova do que se é feito?
Eu sinceramente quero que todos os meus queridos e queridas tenham anos bons, mas isso não implica que eles sejam prazerosos. Eu espero que meus amados tenham sonhos e força, para não se sentirem paralisados quando o “mal” os atingir. Nisso eu deposito minha esperança, pois não há nada que eu possa fazer para mudar o curso de suas vidas... Neste caso, só me resta esperar pelo melhor. Contudo, quando penso em mim, não posso, não me atrevo a ter esperanças. Deixo-a por último, como recurso derradeiro para governar a minha vida. Pois prefiro estar ciente do que existe à minha volta e como posso manipulá-la; escolho a consequência, não mais apenas a fé.
De todos os males a que eu gostaria de lhe proteger, cabe advertir sobre a Esperança precoce. Se a Esperança existe, é por um motivo, e deve ser usada em situação rara, não da forma corriqueira como é feito hoje pelas esquinas. Que o Mal se abata sobre suas cabeças, pois isso é inevitável. E que a solução seja produzida por suas mãos, pois isso é questão de escolha. Esta, sim, acaba sendo minha esperança.

Carinhosamente,

Marol

Ribeirão Preto, 09 de janeiro de 2012

CARTA AO RECEM EMPOSSADO UNIVERSITÁRIO

Meu caro, minha cara...              

Bom dia, boa tarde, boa noite. Não sei quando você lerá esta carta, mas não importa a hora do dia; espero que ela seja apenas boa (ou não, vai saber...)
                O motivo que me leva a escrever esta carta é a egocêntrica e hiperbólica ideia de que já vivi o suficiente para ter experiência e conhecimento para transmitir aos que vieram depois de mim. É reconfortante saber que ainda me sinto capaz de escrever - e de ter o que escrever. Por esta razão, eis-me aqui.
                Uma correção: o motivo latente é o que expus acima, mas o motivo manifesto é o fato da Caroline, a mais novinha aqui na empresa, ter passado com uma pontuação no ENEM suficiente para entrar em uma Federal em Minas. Fiquei muito feliz por ela, pois, entre todas as coisas que ela aprenderá, as mais importantes serão “ensinadas” fora do currículo escolar.
                Pois bem. Exposto os motivos desta carta, vamos ao ponto.
                De todas as coisas que eu aprendi dentro e fora das salas de aula, durante e depois da faculdade, posso eleger quatro pontos que - acredito eu - sejam importantes para o bom aproveitamento destes anos.
                O primeiro deles é: Cuide dos estudos. “Sério??? Puxa! Descobriu a América, hein, sua ridícula!”, é o que muita gente falará. Mas o que as pessoas têm em mente quando se diz a palavra “estudo” é enfiar a cara nos livros e decorar tudo o que há neles. Até me lembra aquela música do Gabriel, o Pensador: “Manhê, tirei um dez na prova // Me dei bem, tirei um 100 // Eu quero ver quem me reprova // Decorei toda a lição // Não errei nenhuma questão // Não aprendi nada de bom // Mas tirei 10.
                Quando estava na faculdade, eu sinceramente me sentia perdida com relação aos estudos. Confesso que, embora tivesse muitas idéias, não via muito campo para dar vazão a elas.
                (um apêndice: até hoje não sei por que fiz Psicologia. Disseram-me que, para trabalhar com Recursos Humanos era necessário fazer Psicologia, por causa dos testes. Por isso eu fiz. Contudo, hoje percebo que eu não deveria ter baseado a escolha da minha carreira num motivo tão pequeno)
                Voltando: ao final do 2º ano de faculdade, tive a oportunidade de conhecer uma pessoa muito legal, que acabou virando meu orientador de pesquisa. O mais legal no Cláudio é que, quando eu sentei com ele para conversar, a primeira coisa que ele me disse foi: “Se você tem dúvidas, leia primeiro sobre o assunto. Pegue as férias e veja estes livros [e ele me passou uma lista bem gordinha]. Depois que você fichar todos eles e voltar das férias, conversamos”.
                (outro apêndice: o Cláudio foi meu professor, orientador de pesquisa e supervisor de estágio durante três anos na faculdade. Com ele eu aprendi que o Conhecimento não vem com o que te dão para estudar, mas com aquilo sobre o que você se sente curioso, disposto e apto a fazer. Por essa razão, muitos interpretavam sua postura como “descaso”, mas, para mim, era pura liberdade...)
Alguém deve estar se perguntando que livros / assuntos foram esses. Explico: estava eu enraivecida com o discurso ridículo de vários colegas de faculdade a respeito da qualidade de ensino. Diziam que faculdade particular não prestava e só a pública era boa (para quem não sabe, estudei na UNESP de Assis, de 2000 a 2004). Para mim, a opinião deles era baseada em pré-conceitos ditados pelos pseudo-revolucionários existentes no meio universitário (legítimos ectoplasmas dos ecos da Ditadura... um horror...). Então, como sou uma pessoa que gosta de dizer as coisas “na certeza”, fui estudar este raio de “qualidade de ensino”.
                Levei três anos estudando isso e o resultado foi interessante: aprendi mais sobre a construção do Ensino Superior no país que qualquer professor, aprendi demais sobre a história do Brasil, e aprendi também que os universitários em geral não sabem o que significa essa porcaria de “qualidade de ensino” que tanto apregoam só existir no ensino público.
                Ao final da minha pesquisa, sabe o que mais me chocou? A grande maioria das pessoas que fizeram parte da minha pesquisa disseram que “qualidade de ensino” é ter bons professores, boa biblioteca, boas instalações, bons laboratórios... Que pensamento tacanho! Quanta estupidez... Só duas pessoas me deram uma definição do que seria “qualidade de ensino”: “É a faculdade que te ensina a pensar sozinho”.
                Isso é tão óbvio que até assusta os mais desavisados. E olha, meu caro leitor, que os desavisados são em número bem grande...
                Como eu cheguei a essa conclusão? Estudando e pesquisando. E pesquisar não é nada complicado. Pesquisa nada mais é do que ter uma dúvida, uma pergunta, e não ter ninguém ao seu lado para te responder. Então, você é que terá que investigar e colher as suas próprias respostas.
                Por isso, quando eu digo “cuide dos estudos”, cuide de aprender algo que tenha relevância para você. Pode ser que, junto, você aprenda algo que também está na grade curricular do seu curso, mas cultive o hábito de ser curioso e não esperar que os outros respondam as coisas por você. Tenha dúvidas. Elas serão suas e você terá responsabilidade sobre elas. E, ao contrário do que muitos falam, buscar respostas é mais divertido do que se pensa.
                O segundo ponto que eu acredito que seja importante ao recém - empossado universitário  é: “Tomar cuidado com seu corpo”. “Putz! Sério mesmo? Nossa... Descobriu a roda agora!!!”, é o que muito desavisado vai dizer. Mas, como eu disse anteriormente, o óbvio nos espanta.
                Cuidar do próprio corpo significa que você deve comer bem. Para isso, aprenda a cozinhar. Não precisa ser nenhum Ás na cozinha: arroz, feijão, bife e salada. Sim, SA-LA-DA. Peça para sua mãe te dar dicas de cozinha. Se você nunca comeu verduras e legumes na casa da mamãe, aprenda a comer. É melhor comer abobrinha e alface do que tomar benzetacil na bunda. Além de fornecer os nutrientes necessários, regula o intestino e você não sofrerá tanto por estar “enfezado”.
                Mantenha os horários de café, almoço e jantar. E não se preocupe com o dinheiro: a comida que presta é barata. Basta não ter preguiça para cozinhar. Quando for para a balada, coma bastante antes. Seu fígado agradecerá imensamente. Garanto que a ressaca será bem menor. Entre uma cerveja e outra, beba uma garrafa d’água. Não precisa ser toda hora, mas beba pelo menos uma garrafinha. A dor de cabeça da ressaca geralmente é causada pela desidratação do corpo.
                Se quem estiver bebendo é mulher, aceite uma verdade universal: mulheres são mais fracas para bebida sim. Isso é biológico. Temos uma massa corpórea menor e menos sangue no corpo; tudo nos desfavorece quando o assunto é “porre”. Ao beber, beba ao lado de amigos. Não vá capotar na balada mas, se isso acontecer, assegure-se de que haverá algum bom samaritano que segurará sua cabeça e seu cabelo para que não fique sujo de vômito... E que te leve em segurança para casa.
                Lembre também de cuidar de sua integridade física. Não ande sozinho por aí. Qualquer um pode ser assaltado - e isso pode acontecer sim. No caso das mulheres, tomem cuidado com algo pior. Quando entrei na faculdade, logo na primeira semana, alguns professores davam o seguinte recado: “Meninas, não andem sozinhas. Tivemos cinco casos de estupro do ano passado para cá. Tomem cuidado com entregadores de farmácia, supermercado, loja de móveis, encomendas em geral. Tomem cuidado inclusive com colegas de faculdade. Andem acompanhadas e nunca deixem que alguém fique entre você e a saída da sua casa”.
Como já dizia meu avô, você come uma saca de sal com uma pessoa e ainda assim não a conhecerá direito. Desta feita, cuide de seus membros superiores: não ponha a mão no fogo por ninguém.
                Eu gostaria de dizer para que vocês também cuidassem do coração no quesito “cuidados com o corpo”, mas isso é impossível. Se há algo que nunca evitaremos é que o nosso coração não se parta. Se você nunca foi acometido pelos arroubos da paixão, saiba que a faculdade é um local e um período muito propício para cometer grandes burradas nesta área. Lembro que a palavra “paixão”, sintaticamente, vem de “sofrimento”. Logo, amar é sofrer. Mas como tem gente que gosta de sofrer... Essa dor doída que tanto nos dá prazer...
                Assim, não se preocupe com seu coração. Logo que você deixar que alguém o quebre pela primeira vez, irá se viciar, não importa que seja aos 20, 30, 40 ou aos 80 anos de idade. Ao invés de usar a esperança para ajudá-lo a encarar a decepção do coração partido, use o cérebro. Ele será um aliado muito mais propício.
                Por falar em cérebro, os “cuidados com o corpo” também incluem a nossa cabeça. Cuide para que você tenha sempre uma saída para os problemas que assombram sua mente. Isso inclui boas conversas com bons amigos, procurar por terapia, se abrir com seus pais (sim, seus pais! Se você tiver algum preconceito com relação ao que seus pais acham sobre a vida, experimente conversar com eles. Às vezes não dá em nada, mas as chances de dar em algo legal são maiores).
                Nesse quesito, é importante lembrar que esta é uma fase importante para você se deparar verdadeiramente com quem você realmente é. Jung chama isso de processo de individuação, quando “você se torna aquilo que você já é”. Na verdade, é quando você se dá conta de como você é de verdade. No meio disso, você vai ver que as pessoas não têm defeitos ou qualidades, mas características, que podem ser boas ou ruins, dependendo da aplicação e do momento. Descubra-se. O período de faculdade é bom porque as pessoas que conviverão com você não te conhecem, e vão passar a gostar ou não de você pelo que você apresenta, não porque te pariu.
                O terceiro ponto importante é: “Cuide do seu dinheiro”. Todo universitário hoje tem uma conta bancária, seja para receber a mesada dos pais, seja para receber uma bolsa de estudos. Ao abrir a conta, o atendente vai te dar um “Cheque Especial pequenininho” (pelo amor de Deus! Não confundam Cheque Especial com talão de cheques!!! São coisas completamente distintas! Não pague este mico!!!) e também um “Cartão de Crédito” que, segundo orientação dele, deve ser utilizado “nas emergências”.
Para quem não sabe, os bancários fazem isso porque têm uma meta alta de abertura de contas, venda de cartões de crédito e outros produtos bancários. Mas, convenhamos: isso é um problema DELES. Não é porque eles ofereceram e disponibilizaram que você precisará pegá-los. Por experiência própria, NÃO PEGUE. Você não precisará deles.
“Mas, e numa emergência?”. Vou dar uma lista de emergências:

  1. “Me roubaram e não tenho um puto no bolso para comprar comida”;
  2. “A descabeçada da menina que mora comigo não depositou o dinheiro para pagar a parte dela nas contas e agora eu voltei para casa com a luz e a água cortados”;
  3. “Tô doente e o remédio que o médico me passou é bemmm caro”.

Esta é uma lista de coisas que realmente são emergenciais. E, para elas, existe pai, mãe, vô, vó, tias, primos, etc. Você não ficará desamparado, fique tranquilo.
Por que eu coloquei aqui essa questão de “emergências”? Porque, de posse de um cartão de crédito ou limite de cheque especial, o universitário terá o péssimo hábito de achar que “emergência” é a falta repentina de cerveja ou a constatação de que não tem uma roupa sequer para ir naquela super-master-blaster-mega-power-pluz-advanced balada da faculdade.
Acredite. Se você souber organizar seu parco orçamento, você verá que sempre sobrará um dinheirinho para a cachaça. Se pesquisar bem, verá que sempre tem uma lojinha na cidade que vende roupas bonitinhas e com preços interessantes. Não se desespere. Só não há escapatória para a morte. O resto é negociável. Aprenda a negociar.
Quanto aos livros da faculdade: tire xerox, pegue emprestado da biblioteca ou compre de alguém que está em algum ano acima do seu e não precisará mais usar. Vá aos sebos. Os móveis da sua casa podem ser usados - desde que estejam em bom estado e sem cupins. Você ficará com eles por quatro ou cinco anos no máximo. Não há necessidade de você fazer um projeto arquitetônico e paisagístico para morar fora de casa durante a faculdade. Aprenda a se virar com o que tem.
Aproveitando a deixa, coloco aqui o quarto e último ponto que eu acho importante: aprenda a lidar com o imprevisto. Faça o seu bem feito e deixe o resto com o resto.
Quando se sai de casa, muita gente tem a doce ilusão (e ilusões NUNCA são doces) de que tudo será lindo, perfeito, que aprenderemos tudo e guardaremos para sempre grandes lições de vida.
Mentira.
Muita coisa vai dar errado, e a melhor coisa para lidar com isso é admitir que deu errado. Às vezes o causador do enrosco será outra pessoa. Pense duas vezes antes de abrir a boca para acusar ou reclamar. Na próxima semana a próxima burrada será de sua autoria. E você não terá orgulho disso. Assim, quando o problema aparecer, concentre suas energias em achar uma solução ao invés de achar um culpado. Depois que a situação estiver melhor, não vai adiantar muito enfiar o dedo na cara do “autor da arte” (mas às vezes isso é necessário... mas isso você aprenderá com o Tempo e a Experiência). Agindo assim, você perceberá que sua capacidade de antever as cagadas será ampliada. Já é um avanço.
Se você é um recém - empossado universitário, você teve sucesso no ENEM e/ou no vestibular. Parabéns. Mas lembre-se: o fracasso é parte inerente da vida e ele fará parte da sua também. Você não é tão especial assim para se ver imune dele. Você terá revezes, você terá desprazeres e (muito provavelmente) você ficará na média em sua vida adulta. Esqueça os gurus de “Você S.A”, “HSM” e coisas semelhantes. O conceito de “sucesso” é muito mais amplo do que se apregoa por aí.
Tenha em mente que nem todos são brilhantes advogados, professores, engenheiros, psicólogos ou administradores. Nem todo homem foi feito para ser chefe de família, nem toda mulher foi feita para ser mãe. Nem toda pessoa nasceu para casar ou para ter sanidade mental. Talvez você não esteja nesta lista, mas talvez esteja. Se assim for, desencane.
Faça o que estiver dentro das suas possibilidades - e faça bem feito. O que estiver fora dos seus limites, deixe nas mãos de Deus, da Sorte, do Universo. Mas não puxe para você uma responsabilidade que não é sua. Mas o que for de sua responsabilidade, assuma. E não reclame se algo der errado. Se a dor e o prazer, o erro e o acerto, o abraço e a despedida, a maturidade e a juventude são parte da nossa vida, abrace-as com carinho. Isso é tudo o que você pode fazer por si mesmo. Você verá que, ao final da faculdade, você terá mais dúvidas que agora, mas será uma pessoa mais preparada para lidar com o incerto. Tenha certeza disso.
Então, aproveite.
(E beba uma em minha homenagem... Não me roube este prazer...)

Atenciosamente,

Marol
Ribeirão Preto, 22 de dezembro de 2011

2 de fev. de 2012

CAÍ NA BESTEIRA DE LER NIETZSCHE

Caí na besteira de ler Nietzsche. Para piorar, fiz isso mais de uma vez.

E não foi nenhum arroubo de intelectualice. Levei o negócio a sério: caneta na mão, grifa-texto, régua para acompanhar a leitura, ler em voz alta para ver se algo entrava na cabeça - ou melhor, se algo entendível entrava na cabeça. Fiz até anotações no rodapé das páginas. Rabisquei TU-DO!
Confesso que cheguei aos opostos: fiquei satisfeita e frustrada comigo mesma. Satisfeita porque consegui ler um livro inteiro. Todinho. Ah! De que livro eu estou falando? O livro em questão é “Para a Genealogia da Moral” e essa foi uma indicação do Álvaro. Achei-me super inteligente, não pelo fato de ter lido um livro que meu ex-orientador leu e indicou, mas porque terminei a leitura, mesmo não admitindo que a edição que li não tinha mais de cem páginas e pelo menos umas trinta falavam sobre biografia do autor, outros livros que o autor escreveu, coisas que o tradutor achou sobre o livro, coisas que o Fulano-de-Tal achou que falou sobre o livro etc.
Mas como nada é 100% eu também fiquei frustrada comigo porque ainda não terminei de ler o outro livro. O motivo? Tenho medo do “Zaratustra”.
A forma como esse outro livro chegou até mim foi mais... singular. Estava no metrô e vi uma série de máquinas de vender coisinhas: chocolate, refrigerante, livro, salgadinho, cerveja... Fui até a máquina do livro e vi os títulos: “Como ser mais feliz, mesmo sendo você quem é”, “Como perder 10 Kg em 2 horas”, “Assim falava Zaratustra”, “O Primo Basílio”, “Receitas de liquidificador”. Coloquei uma nota de R$ 5,00 na máquina de livro e escolhi o “Zaratustra”. Me ferrei. Se eu tivesse escolhido “Receitas de liquidificador” não sentiria tanto medo.
Mas o caso é que eu peguei o “Zaratustra” e nunca pensei que pudesse ter tanto medo de um livro. Acho que ainda não cheguei à página 60. Também nunca pensei que pudesse levar a sério a expressão “doses homeopáticas”. Para mim tudo sempre foi muito alopático. Tento ler esse cara em doses homeopáticas, não em doses cavalares, como qualquer pessoa ávida por pseudoconhecimento faria. Tentei fazer isso uma vez, mas não consegui chegar ao final da quinta página seguida. Impossível. Se alguém diz que lê mais de seis páginas de “Zaratustra”, por dia e diz que entendeu está mentindo. Ninguém consegue.
Correção. Acho que meu raciocínio não foi completo: ninguém normal, pois para conseguir tal façanha tem que ser anormal mesmo.
Das vezes que me aproximei daquele livro (não o indicado, o da maquininha) tive meu cérebro entortado só de tocar na capa. Verdade! Minha cabeça se entortava um pouco para a direita, um pouco para baixo, e lá ia eu fechar o livro para ver se o cérebro desentortava de novo. Em vão: cabeça torta, olhar torto, pensamento torto.
Mas tudo bem! O mais importante disso tudo é que li um livro do Nietzsche! Eu consegui! E o melhor: eu li e entendi! Parabéns para mim; ganhei mais uma estrela dourada no caderno. Agora é só dar um pé na bunda da ovelha, não dever mais nada para mim e parar de pensar que quem ri por último ri melhor. Se você não entendeu o que eu disse, leia o livro. Livros foram feitos para serem lidos. Lidos e interpretados, e interpretação isenta é algo que não posso dar, ainda mais em casos de livros como esses.
E não se importe com o nó no cérebro que eles irão lhe causar. Se quiser moleza, vá ler Paulo Coelho.

Dizem que Nietzsche é o filósofo que grita a vida. Mas não aquela vida em que todos usam branco e ficam correndo como uns desvairados, sorridentes, por campos verdejantes, um sol que nunca para de brilhar e peles que nunca precisarão de um protetor solar. Não. Isso é a vida vendida em comerciais de pasta de dente, empreendimento imobiliário e laxante. A vida que esse cara “vendeu” para mim é bem menos cenográfica, mais crua e simplesmente complicada (ou complicadamente simples... esqueça! Já não falo mais coisa com coisa).
Pois bem: dizem que Nietzsche é o filósofo que grita a vida - e o termo é esse: grita - e que vida é usufruir o direito à possibilidade. É dar um passo para além da cortina, para além do “não” sem réplica, do medo do (fazer) diferente, do “por que” sem resposta. Difícil, não?  Bota difícil nisso... E na prática, ainda estou quebrando a cabeça para ver como que eu faço para dar um pé na bunda da ovelha...
Sempre me disseram que, para Nietzsche, viver “feliz” é viver na íntegra, viver “de verdade”, mesmo quando há o infortúnio, a tristeza e o acaso. É saber que essas coisas existem e nem por isso achar que tudo está perdido. Resolvi ler seus livros, só para conferir. Li pensando em buscar a felicidade do sorriso das pasta de dente e acabei ficando triste! Triste por começar a pensar em mim como alguém aprisionado, como alguém domesticado, como um produto acabado, com forma definida. Triste por não ter um sorriso de pasta de dente... mas estranhamente feliz por ter me deparado com isso (mas não o suficiente para sair do meu atual estado depressivo).
Mas falando sério (como se antes eu já não o estivesse fazendo), li Nietzsche e aprendi a escrever corretamente o nome dele sem precisar de uma cola. Já é um avanço. Li Nietzsche e vi que o cara dá nó no meu cérebro. Dá nó no meu cérebro porque ele diz para eu fazer o contrário de tudo o que falaram para eu fazer até hoje. Li Nietzsche e notei que os conceitos de Liberdade (com letra maiúscula mesmo), Felicidade, Sabedoria e Força não são bem aqueles que sempre ensinaram para mim. Força não é se impor aos outros; Felicidade não é rir à toa num eterno Prozac, Sabedoria não é imitar o Buda na posição de lótus - nada contra o Buda, não ponha palavras na minha boca - Liberdade não é ficar correndo sem parar, sem rumo. Não sei o que é. Só sei que NÃO é isso.
Lembro a primeira vez que ouvi esse nome. Foi durante a faculdade e saiu da boca de um povaréu que fazia cara de inteligente. Fiquei morrendo de inveja daquelas caras. Depois de cinco anos de convivência continuei vendo as mesmas caras de inteligente, mas aí eu já sabia que só eram as caras mesmo. Pelo menos para mim era só isso. É difícil acreditar em alguém que não demonstre ter substância. Acho que esse foi um dos motivos de eu não querer chegar perto de qualquer escrito dele durante alguns anos.
Mas, depois de tanto tempo, resolvi mudar de idéia.
Li Nietzsche e fui me olhar no espelho. Vi a cara de sempre com um item a mais: um ponto de interrogação. Não consegui fazer aquela cara de inteligente do povaréu que conheci na faculdade. Pelo contrário: fiz uma cara de “não-sei-se-entendi-direito”... No final das contas, acho que foi até melhor assim: para que querer para mim um rosto que não me representa, uma expressão que não me satisfaz?
Sempre tive muito cuidado, não com o que eu lia, mas com aquilo que eu entendia. Sempre me preocupei se eu havia entendido o texto direito. Ler Nietzsche me deixou com a dupla sensação de que cumpri e fracassei no meu intento. Por exemplo: entendi que há muito mais no mundo do que os espelhos que colocam na minha frente. Mas e a (falta de) coragem para desviar o olhar deles? Alguém explica???
Ler Nietzsche me ajudou a enxergar a minha impotência perante as coisas que estão ao meu redor ao agir do jeito de sempre. Deixou-me de tal maneira que não tive outra escolha senão começar a escrever. Escrever foi o modo que eu arranjei para começar a pagar a dívida que tenho comigo mesma. Dívida perpétua; herança das minhas escolhas e de meu aprendizado.
Ao ler Nietzsche tive a impressão de ter recebido uma tarefa. Uma tarefa única. E uma tarefa estipulada por mim, estimulada por ele e por todo o meu mundo. Sempre fui ótima aluna - aprendi a balir com perfeição - porém agora é chegada a hora de ser professora de mim mesma. Para tanto, é mister que eu experimente o mundo para depois ensiná-lo a mim, que eu observe o mundo para depois descrevê-lo a mim. Ser MINHA aluna e MINHA tutora. Procurar ser sábia sem saber ao certo o que isso significa e se estou tendo êxito. Rir e gozar e falar e tocar e brigar e cansar e escrever e olhar e aquietar e acordar. E achar incrível como frases tão bonitas podem despertar sentimentos tão pavorosos.

Caí na besteira de ler Nietzsche. Para piorar, vou fazer isso mais algumas vezes. Com ele, abri minha cabeça e expus meu cérebro aos seus próprios ventos para que pudesse navegar mais à vontade. Olhei-me no espelho e vi o que está ao meu redor.
Sinto ainda o medo batendo em meu peito como uma lufada de mar em câmera lenta, mas nada que minhas mãos não possam suportar com o treino diário.
Li Nietzsche, fechei os olhos e respirei muito devagar. Isso não acontece todos os dias.

Mococa, 21 de junho de 2008.

MENSAGEM INICIAL

Meu caro, minha cara:

Minhas saudações.

Resolvi montar este blog motivada por amigos que já leram o que andei escrevendo por aí.

Mais do que um local de divulgação, pretendo, com este espaço, promover um local de guarda, de armazenamento.

E armazenar o que?

Idéias.

E suas derivações.

Um local de fácil acesso, onde eu pudesse me lembrar de todas as coisas que eu acho importante - e porque eu já tive o prazer de me debruchar sobre elas para escrever.

Fica o convite para os avisados e desavisados. Segue minha proposta: um texto por mês, pelo menos por este ano.

Que Deus seja testemunha de minha promessa e de meus esforços.

Abraços a todos,

Marol