Meu caro, minha cara...
Quando olho para trás, para a minha adolescência na década de 1990 (isso denuncia a minha idade, eu sei), uma imagem clara se forma: as tardes passadas decorando caixas. Usando tudo que estava ao meu alcance — caixas de bombons, de biscoitos, de sapatos e outras mais — eu explorava um mundo onde a imaginação não conhecia limites. Cola branca nas mãos, verniz incolor para dar aquele toque especial, e uma caixa repleta de recortes de revistas ficava pronta. Estava sempre atenta para arrancar páginas de revistas para guardar fotos de praias, por do sol e letras estilizadas. Criar era um tipo de terapia.
Mas o tempo passou, e por diversas razões —falta de tempo, ou simplesmente a mudança de interesses — parei com as caixas. Contudo, essa prática não desapareceu completamente. Ao que parece, a minha "caixa de recortes" evoluiu para algo mais complexo, mais sutil, mas ainda assim extremamente potente: a caixa de recortes mental.
A transição para a “caixa de recortes mental”
Eu amo tirar fotos. Sério. Até tenho uma câmera profissional para isso. E quando saio para fotografar, tiro várias, mesmo sabendo que a maioria não vai prestar para nada. Porém eu sei que uma delas vai se tornar meu novo fundo de tela, um quadro ou talvez uma imagem inspiradora para um projeto. Viagens, momentos significativos, reportagens impactantes — tudo isso se acumula, como recortes de revista, em uma caixa invisível que carrego dentro de mim. Cada experiência, cada ideia, é armazenada para um eventual uso, mesmo que esse uso muitas vezes ainda não esteja claro.
Viver em um mundo saturado de informações pode ser tanto um presente quanto um desafio. Blogs, redes sociais como Pinterest e Instagram, e páginas de entrevistas inspiradoras se tornaram ferramentas que alimentam minha caixa de recortes mental. Guardar ideias de shows, filmes, músicas e até mesmo DIY (faça você mesmo) me ajuda a construir um repositório que, confesso, nem sempre sei como usá-lo. Mas sei que está lá, em algum lugar, à espera do momento certo.
A caça ao conhecimento: enriquecendo a caixa
Recentemente, percebi que essa caixa não se limita apenas a memórias ou ideias estéticas. Ela se estende à minha vida profissional e pessoal. Ao ler um e-book interessante, assistir a uma palestra instigante ou mesmo ao consumir conteúdo mais trivial, tudo vai para dentro da minha colecionável mental. A beleza dessa prática é que nem sempre sabemos quando essas ideias se tornarão úteis. Às vezes, elas se revelam em momentos de necessidade, oferecendo soluções que nem imaginávamos ter.
Digo com frequência que “a gente nunca sabe de onde vai vir o conhecimento que a gente precisa para resolver algo”. Essa é a essência de manter a nossa caixa de recortes mental sempre ativa e em expansão. Esse tipo de abertura e curiosidade é basilar em um mundo que muitas vezes se apresenta "pasteurizado", como um grande Canva sem releituras criativas.
A Tecnologia e a Criatividade: Amigas ou Inimigas?
Hoje, vivemos cercados de tecnologias que prometem facilitar a criação e a gestão de informações. O Canva facilita a edição de imagens, o PowerBI transforma dados em insights, e o ChatGPT escreve textos impecáveis. No entanto, essa mesma tecnologia pode encorajar uma certa preguiça criativa. É fácil se deixar levar por ferramentas que oferecem soluções rápidas e convenientes, mas que podem roubar nosso impulso criativo.
O problema não está apenas nas ferramentas em si, mas na maneira como escolhemos usá-las. A criatividade não deve se restringir ao que essas plataformas nos permitem fazer. A verdadeira magia está em sair dessa zona de conforto que vários sistemas nos deixam (ou “sair do conforto da zona”, como uma ex gestora minha me disse uma vez) e buscar inspiração em lugares inesperados. Quando nos limitamos a seguir as diretrizes do que é apresentado, corremos o risco de nos tornarmos apenas mais uma voz em um mar de uniformidade.
A importância de ser proativo na criatividade
Pare e pense: você tem uma "caixa de recortes". Se você percebe que tem uma, ótimo! Entretanto, se você duvida da existência da sua caixa, ou se sente que deveria ter mais conteúdo, talvez seja hora de refletir sobre sua abordagem frente à informação e à inspiração.
Manter uma mente curiosa, exploradora e aberta a novas ideias é a chave para se destacar em um mundo saturado. O conhecimento colhido pelo caminho pode ser a solução não só para as questões da vida profissional, mas também para desafios pessoais. Como posso aplicar esta ideia em minha casa? E essa música que me inspira, como posso usá-la na minha rotina para trazer um novo ânimo? As possibilidades são infinitas, desde que não tenhamos medo de buscar e de explorar.
A conclusão da minha jornada pessoal (conclusão? eu falei isso mesmo??)
Quando mais jovem, eu não sabia a importância daquilo que estava fazendo. Decorar caixas era apenas uma forma de passar o tempo e expressar minha criatividade. Hoje, reconheço que essa prática moldou a maneira como percebo o mundo e a mim mesma. Essa "caixa de recortes" mental tornou-se um recurso valioso em minha vida que, ao lado de ferramentas tecnológicas, me encoraja a buscar constantemente por novas referências e soluções criativas.
Portanto, convido você a explorar sua própria "caixa de recortes" e a enriquecer seu mundo com novas experiências, ideias e inspirações. A criatividade, assim como a vida, é um processo em constante transformação. E nunca se sabe quando aquela velha caixa de recortes poderá sair da prateleira e se transformar em algo extraordinário. Então, não hesite: comece a coletar, a criar e, principalmente, a acreditar que as melhores ideias estão à sua espera, quer você as saiba ou não.
Ribeirão Preto, 16 de outubro de 2024