18 de out. de 2012

4 de out. de 2012

Fernando Pessoa


DUETO ENTRE META E MEIO


Meu caro, minha cara,

                Dizem por aí que o que a gente leva da vida é a vida que a gente leva. Embora esta frase tenha se tornado um lugar comum, ela esconde sua parcela de culpa e verdade. Não viemos com nada e nada levaremos. Por isso, acho tão interessante observar o objetivo que cada pessoa traça para si como meta de uma vida feliz e bem sucedida.
                Devo explicar que isso começou quando eu passei a pensar nos meus próprios desejos e como torná-los em realidade. Neste percurso - que só deixará de ser trilhado quando morrer, deixo isso bem claro - vi o quão extraordinárias as coisas simples são. E o quanto também é doído percebê-las, já que nos revelam que nem tudo pode ser alcançado.
                Ao final deste ano, andei definindo algumas metas para os seguintes. São planos em longo prazo, que envolvem bens materiais, profissionais, mas, essencialmente, bens pessoais. Lembranças e pessoas, para ser mais exata. Tenho por objetivo viver experiências interessantes; mas como não pretendo me tornar uma eremita, tenho por objetivo viver experiências sociológicas interessantes.
                Explico o porquê do termo “experiência”: porque me coloco no lugar de teste (visto que pus-me como cobaia de minha própria vida); “sociológica”, pois não as terei longe das pessoas, mesmo que elas não sejam os atores e atrizes principais de determinados momentos; “interessantes”, porque preciso entender o porque daquilo existir; por si só a curiosidade garante o interesse.
                Desta feita, o que poderia ser classificado como experiência sociológica interessante não precisa ser obrigatoriamente um evento espetaculoso. Os pequenos momentos encerram, em si, experiências maravilhosas. Ou simplesmente experiências.
                Entrar no mar aos três anos de idade, com roupa e tudo em pleno inverno, na praia do Góes, foi uma das coisas mais divertidas que fiz na infância. Deve ter sido uma experiência adorável (para mim, não para os meus pais), pois ainda hoje acho divertidíssimo entrar na água com roupa e tudo. Capotar de bicicleta no parquinho do Rebouças não foi tão divertido, mas merece seu lugar na história. Levar uma surra do meu pai no auge dos meus quatro anos no meio da rua não foi nada agradável, mas me ensinou a nunca mais a dar barraco por causa de um motivo fútil.
Outras experiências também fazem parte deste rol da fama: conversar com meus pais enquanto caminhamos. Tomar sorvete na pracinha. Cozinhar. Conversar na cozinha, enquanto cozinho. Comer. Comer chocolate. Falar palavrão. Ir a uma super balada só para ver como é que é e depois descobrir que ela não tem nada a ver comigo. Brigar. Regar uma planta. Fechar os olhos quando se está tomando sol. Ficar triste. Ficar de TPM. Ficar bem. Falar besteira num boteco, sem ter colocado nenhum pingo de bebida alcoólica na boca. Ouvir música. Ficar apaixonada. Ser correspondida. Não ser correspondida. Ter que curar uma fossa.
Mudar de cidade, mais de uma vez. Disso não esquecerei jamais: Santos, Mococa, Assis, Araraquara e Ribeirão Preto têm seu lugar garantido em meu coração. Escolher permanecer em Ribeirão Preto por tempo indeterminado - algo que vai me aterrorizar até o fim dos tempos. Tomar decisões que não têm volta. Ouvir opiniões. Pedir conselhos. Pedir desculpa. Segurar a raiva. Explodir. Ter diplomacia. Ser uma palhaça. Ver filmes e discutir sobre eles. Escrever cartas. Escrever. Ter amigos. Esperar para que o melhor aconteça. Trabalhar em prol disso. Sentir orgulho. Sentir vergonha. Nunca sentir pena, mas se compadecer de vez em quando. Aceitar o imprevisível. Acreditar no poder da criatividade alheia. Consertar uma burrada. Se arrepender das coisas que fez. Dar pequenos passos para minha humanidade. Ser uma pessoa comum. Adquirir maturidade. Adquirir leveza.
De todos os objetivos que venho percebendo e das coisas que venho conquistando, o que mais gosto de perceber é que venho tendo momentos onde posso parar e pensar na minha vida, sem nenhuma obrigação de fazer desses momentos de reflexão, momentos de conclusão. Sentar-se à janela e aproveitar a paisagem - ou perder-se nela. Esquecer as “receitas de bolo” apregoadas nas revistas, nos livros de auto ajuda e nos conselhos dos messiânicos consultores de vida e carreira.
Eis o que busco neste dueto entre meta e meio, meu caro e minha cara: sentir os minutos indo embora, sem me preocupar se foram bem ou mal aproveitados. Não ter a obrigação de ser perfeita, de seguir modelos - ou seguir alguns, se assim eu quiser. Ter experiências, lembranças, histórias e pessoas.
Eis o que busco. Eis onde quero ter sucesso.

Ribeirão Preto, 04 de outubro de 2012