15 de set. de 2016

ENVELOPE VERDE À CAMINHO

Meu caro, minha cara,

      Verde é a cor dos envelopes das cartas que eu mando para a Aline. Faz alguns anos que não mando cartas para ela mas, esta semana, coloquei uma no correio e em breve chegará às mãos de sua verdadeira dona.
      Começamos esse costume ainda na faculdade. Quando me formei, prometemos escrever uma para a outra. E cumprimos essa promessa. Era muito bom esperar pelo carteiro, pois geralmente quando o carteiro chegava, era para deixar contas, malas diretas e, talvez, encomendas.
      É... nessa época, esperar pelo carteiro era uma coisa legal!
      Porém, um dia, ela escreveu e eu não respondi. Não posso dizer ao certo o que me fez não escrever mais. A única coisa que me vem à mente é que essa deve ter sido a época em que comecei a me sentir vazia.
      E pessoas vazias não escrevem cartas...

      Claro que não perdi o contato com a Aline: nós somos amigas no Facebook e temos o contato uma da outra no whatspp, mas não é a mesma coisa. Essa não é uma amizade de redes sociais. Eu não me sinto à vontade de abrir um computador ou celular para falar para ela, em tempo real, as coisas que estão acontecendo comigo.
      Porque essa amizade, esse relacionamento, não é baseado em informativos a cada meia hora. Não é baseado em notícias e prestação de contas. Ele é baseado em sonhos, expectativas, decepções, pequenas (e sensacionais) alegrias, descobertas e, sobretudo, sinceridade. As sensações, sentimentos e percepções são cozidas em fogo lento (ou alto) dentro de nós e desenformadas no papel em forma de frases. Não só as palavras, mas as letras e a pressão da caneta mostram para seu dono o verdadeiro sentido do que estamos discorrendo.
      E quando eu digo "para seu dono" não me refiro a quem escreveu a carta, mas àquele que irá recebê-la.
      Porque... cartas só servem para serem lidas por seus destinatários, nunca por quem escreve.

      Não sei quantas pessoas ainda têm o hábito de escrever cartas. Devem ser poucas, eu acho. Digo isso porque, quando conto a alguém que me correspondo com uma amiga por carta, quem escuta sempre diz: "Nossa! Que legal! Ninguém mais faz isso, né?". As outras respostas mais comuns são: "Nossa! que bacana!" e "Nossa! Mas por que vocês fazem isso?".
      E ouvir isso é tão triste...
      Triste porque escrever uma carta é um ato de revelação. É um momento muito íntimo, pois somos obrigados a pensar no que escrever. Há também momentos em que não se pensa, só se escreve. Nessas ocasiões, há de se ter não só confiança, mas também muita coragem para se deixar registrar para outro alguém.
      Mandar uma carta significa escrever um diário, onde as páginas são guardadas por uma pessoa de muita confiança.
      Talvez seja por isso que há tão pouca gente que não escreve hoje em dia. Não percebo que hoje as pessoas querem que existam provas de seus medos, inseguranças, projetos e confissões.
      Enfim, não sei o quanto as pessoas estão dispostas a fornecer à outrem provas de sua própria humanidade.

      (...)

      Eu não gostaria, com esse texto, de desmerecer nenhum outro relacionamento de amizade que eu tenho. Pois (alerta! alerta! Aviso de frase cafona chegando!) toda amizade é única e cada uma delas merece ser registrada do seu jeito (e, às vezes, esse registro deve ser particular).
      Eu tenho aquela amiga com quem eu gosto de almoçar, aquela com quem eu gosto de beber chá, aquela que o tempo não se transforma em distância e está à distância de um toque. Tenho um amigo que nunca abracei e de quem sinto saudades de conversar, uma amiga que sonha com seu príncipe e aquela que está sofrendo com uma decepção muito grande e que transformou a tristeza em raiva (e não sei o que fazer).
      Tenho uma amiga que eu gosto de olhar, de longe, que sua vida está bem, que é uma vencedora. Uma amiga com quem não tenho mais amizade (mais ainda há muito carinho), e outra que precisa amadurecer para ser protagonista do próprio caminho.
      Há uma que eu só percebi que sentia falta dela quando ela foi embora e outra que me faz passar muita raiva com sua risada. Há aquela que sempre será mãe e àquela que desapareceu.
      Existe aquela que era ranzinza, mas o amor a tornou muito meiga e a outra, que era muito meiga e continuou assim depois que encontrou o amor (aliás, isso aconteceu com com mais de uma pessoa!).

      Todas elas com seus defeitos e desejos, assim como eu.

      Todas elas de quem me distanciei com meu silêncio...

      (...)

      (neste momento, eu escrevo isso como um sussurro...)

      De tão acostumada com o silêncio em que me envolvi, tenho medo de quebrá-lo. Por enquanto, para não feri-lo, vou começar com o barulho do teclado e da caneta numa folha de papel. Deve ser por isso que eu contei sobre as cartas para a Aline. Deve ser por isso que ainda ando tão quieta...

      (e agora, silencio...)

Ribeirão Preto, 15 de setembro de 2016