18 de mai. de 2020

NA PRATELEIRA DA FARMÁCIA

Meu caro, minha cara.

Na prateleira da farmácia tem shampoo, condicionador, Viagra feminino, whey protein sabor baunilha, esmalte, batom, sabonete anti acne, hidratante, teste para gravidez, camisinha, antialérgico, analgésico, mertiolath que não arde, band-aid, repelente e pastilhas Valda.

Só não tem as palavras certas para consolar minha mãe e minha tia, que perderam o irmão de repente, por causa de um coração doente e que, por conta dessa pandemia, não pode ter velório, choro e caixão aberto para a despedida.

(...)

Estes tempos estão muito, muito cruéis com todos nós...

Indaiatuba, 18 de maio de 2020.


11 de mai. de 2020

"RESPEITA A VOVÓ"

Meu caro, minha cara.

"Respeita a vovó", grita a velha.

Grita para uma criança de seis meses, que grita mais que ela. E grita o dia inteiro. Céus! Como consegue...

"Respeita a vovó", grita a velha.

Assim como grita os cânticos do culto. Porque velha que grita assim não vai na missa. Vai no culto. E grita (não canta) umas três oitavas acima do que o ouvido de gente normal merece ouvir.

E a criança de seis meses grita mais e mais.

"Respeita a vovó", grita a velha.

Tá difícil, vovó, respeitar a velha que grita para o bebê de seis meses. Tá difícil respeitar quem quer por igual quem é diferente. Tá difícil respeitar quem não tem sistema cognitivo suficiente maduro para perceber que um bebê de seis meses não tem um sistema neuro-cognitivo suficientemente maduro para entender o que significa "respeita a vovó".

E, mesmo que tivesse, no auge dos seus seis meses de vida, um bebê assim pararia, olharia e pensaria: "Se é no grito que se pede respeito, então eu tô fazendo é certo. Vai outro aí! AHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHH".

"Respeita a vovó", grita a velha...

Tá foda ter respeito naquela casa...

Ribeirão Preto, 11 de maio de 2020.

Chico Buarque - Quem te viu, quem te vê


"Hoje a gente nem se fala".

5 de mai. de 2020

CALMA, JUVENAL

Meu caro, minha cara.

A liberdade é uma porta de vidro aberta.

E você escolheu arranhar a porta de madeira fechada do banheiro.

"Calma, Juvenal. É só falta de fibras. Eu tô bem."

Sozinha e sem o humano por perto. Ele não sai de perto.

A liberdade alí e ele, aqui. Fica por perto para ver se eu tenho alguma crise.

Como se ele pudesse fazer alguma coisa durante alguma crise.

Como... Dar um remédio..  me levar ao hospital..  ligar para meu médico... Ou pedir para o humano voltar correndo.

A casa quase entrando em colapso e ele nem sequer vai passar um pano nós móveis.

Normal.

O humano não vai passar também.

Fazer o básico do básico do básico. É o que nos resta.

E ter paciência.

E lembrar que ele prefere arranhar a porta de madeira do que passar pela porta de vidro.

Amor é isso.

Obrigada, meu bem.

Ribeirão Preto, 05 de maio de 2020.