10 de jul. de 2017

VAI QUE...


Meu caro, minha cara,

(Antes de mais nada, gostaria de avisa-los que este e um relato de alguém muito, muito ranzinza, mas com um olhar muito, muito atento...)

Não me lembro se alguma vez eu escrevi algo relacionado ao meu trabalho.

Eu trabalho com Recursos Humanos. Desde os 16 anos eu quis trabalhar na área. 20 anos depois, estou nela a algum tempo e confesso que fiz a escolha certa. Pelo menos, até agora, tem sido.

(o estudo das organizações e como as pessoas se relacionam com esses verdadeiros organismos vivos sempre me fascinará)

Entre várias atividades que tenho que desempenhar no meu novo trabalho, uma delas e o Recrutamento e Seleção. Fazia alguns anos que eu não trabalhava com este subsistema de RH e está sendo uma redescoberta.

Atualmente, quando trabalho uma vaga, chego a ver entre 200 a 700 currículos por vaga. Para que eu possa dar conta do trabalho e fazer as outras coisas que também estão sob minha responsabilidade, tenho que fazer uma analise objetiva de todos estes currículos que recebo.

Antes que alguém me questione, eu vejo todos os currículos que eu recebo. Mas não com a atenção que o dono do currículo acha que eu dispenso.

Ao contrário do que muitos candidatos gostariam, um recrutador não tem tempo para ler todo o currículo, elaborado com tanto cuidado e tantas esperanças. Não posso dizer sobre outros, mas o tempo e a pratica me fazem levar certa de 3 a 10 segundos na analise de um currículo, dependendo da vaga e da organização do documento. Eu já contei: entre 3 a 10 segundos para pesquisar no papel, no corpo do e-mail ou no anexo a formação necessária, alguma experiência, cidade em que mora, tempo em que ficou nas últimas empresas.

O que não entra na analise são os longos parágrafos descrevendo, lançando mão até mesmo de gerundismos, sobre como fazem isso e aquilo. Ações que poderiam ser muito bem descritas em tópicos iniciados com verbos no infinitivo.

Também não posso gastar esses 3 a 10 segundos lendo as comoventes mensagens e votos de comprometimento e dedicação que o candidato descreve abaixo do tópico “objetivo profissional”, enquanto a única coisa que eu gostaria de ver escrito ali era apenas o cargo de interesse da pessoa.

Durante este diminuto período em que analiso um currículo, também não posso me prender em adivinhações: quando colocam “1 ano e meio” em tal empresa, como vou saber o mês e o ano de entrada e saída? Quando colocam  “superior cursando”, como poderei saber em que ano a pessoa ira se formar, ou então que graduação e essa em que a pessoa esta investindo seu tempo? Como posso eu saber a respeito se a pessoa não descreve isso claramente?

Da mesma forma, como poderei ver tudo, de todas as oportunidades, de todas as atividades inerentes ou não ao meu cargo, quando me deparo com apresentações com 4, 5, 10 páginas?

Não leio...

Acredito que, no afã de contar sua experiência, mostrar o orgulho da própria carreira ou o desespero por uma situação profissional incomoda, muitos candidatos estragam sua primeira oportunidade de serem vistos por um possível empregador.

Além das gafes e má organização de informações em muitos currículos que recebo (e isso não deve ser exclusividade minha), a falta de critério de muitos candidatos também contribui para que eu tenha que gastar tão poucos segundos para analisar os inúmeros chamamentos por um emprego hoje em dia.

Confesso que não fiz cálculos; o que coloco agora é uma percepção geral do meu dia a dia: em media, aproveito cerca de ¼ dos currículos que recebo para uma vaga (quando tenho sorte). Os outros ¾ são de pessoas que, como o próprio titulo diz, se candidatam à vaga no famoso esquema “vai que...”

Vai que... eles preferem alguém formado, ao invés de um estagiário? (diz o candidato formado em 2010 para uma vaga de estagio)
Vai que... eles queiram alguém com muita experiência, mas ainda não sabem disso? (diz o candidato com 20 anos de experiência em gestão para uma vaga de assistente)
Vai que... eles me dão uma chance? (diz o candidato que mora a 1.000km de distancia do local da vaga de recepção)
Vai que... eles aceitam alguém sem experiência, mas com muita forca de vontade? (diz o candidato que não tem a escolaridade ou a experiência necessária para uma vaga sênior)

Sei que tudo isso que eu escrevi acima pode ser considerado mesquinho, perverso, maldoso. Sei que, por trás de cada “vai que...” há uma pessoa que esta precisando mesmo de um emprego para se sustentar financeiramente, para continuar sendo arrimo de família, para se sentir útil, valorizado.

Eu sei de tudo isso.

O que me questiono é se essas pessoas sabem o que acontecem do lado de cá, do lado das pessoas que, assim como eu, representam os interesses das empresas em trazer profissionais que não só tenham as habilidades necessárias, mas que também tenham valores próximos com os que são praticados nos locais de trabalho. Será que essas pessoas sabem  que nós pensamos no deslocamento delas, deslocamento de vidas inteiras, de grandes investimentos emocionais por causa de um trabalho? Isso é tão ou mais importante do que meramente "achar a pessoa certa para o posto certo".

Quem esta do lado oposto pode ler isso é dizer: “sim! Eu tenho esses valores! Eu tenho essa disposição e disponibilidade! Eu faço o sacrifício!”. Pode ser que tenha realmente o mesmo jeitão da empresa ou da turma com quem ira trabalhar no futuro. Pode ser que realmente esteja disposto e disponível. Pode ser que seja uma tentativa de conseguir um emprego a qualquer custo. Pode ser outras coisas mais que a minha imaginação e experiência não consigam pensar agora. Mas eu volto a me perguntar: como posso conhecer mais a fundo cada vida que, em uma fração de tempo, passa na minha frente em um pedaço de papel? Como eu posso ser justa com essas pessoas que precisam de uma oportunidade?

A resposta para essas duas perguntas e uma só: não posso.

Não posso me responsabilizar pela forma como as pessoas se apresentam, resumem suas carreiras e potenciais. Tampouco posso me responsabilizar sobre as estratégias que utilizam para alcançar empresas e empregos.

Não posso.

Talvez todo este texto seja uma tentativa de pedir desculpas as centenas de desconhecidos que em algum momento não pude olhar suas historias e pedidos com mais cuidado e atenção.

Vai ver que seja um desabafo, de alguém que esta cansada de ver tantas historias resumidas e que talvez não queira se importar tanto com ela (mas não consegue).

Vai  que tudo isso que escrevi seja uma forma sutil e mau humorada de dar alguns toques sobre pontos importantes do que (não) fazer ao entrar em contato com um possível empregador.

Vai que...

Ribeirão Preto, 10 de julho de 2017