21 de mar. de 2021

COMO SEMPRE E PARA SEMPRE

Meu caro, minha cara.


Entre condolências de parentes e amigos, recebo um texto que continha a expressão do título: "agora eles estão juntos, como sempre e para sempre". Não poderia estar mais correto.


Foram cinco dias com ela e, ao ir embora do hospital naquela sexta, eu realmente acreditei que a veria de novo. Mas ela resolveu ir embora e só voltei a vê-la dentro de um caixão lacrado.


Ter que dar a notícia a ele pelo telefone naquela sexta feira foi a pior coisa que já fiz na vida. Escolher o caixão e as flores também foi horrível.


Ver e ouvir meu pai chorando... "Ela era muito linda", ele dizia. "Ela era muito linda...".


Era mesmo...


Depois, veio a noite. Fiz uma sopa e pude conversar com ele. Ficou claro que a época mais feliz da nossa família era a mesma para nós dois. Na primeira vez naquela semana ele comeu e dormiu. Só dormi depois de ter certeza que ele conseguiu descansar.


Como é triste constatar isso...


No dia seguinte fui embora, sob o risco de também estar doente. Em seguida ele precisou ser internado. Dois dias depois, foi para a UTI. Intubação, hemodiálise, boletins diários para todos na família.


Na madrugada de hoje, a espera terminou. A família diminuiu e cada voto de força é tão vazio quanto possível. "Não imagino o que você deve estar sentindo", é o que falam.


Eu também não consigo.


Na falta de imaginação, penso no passado, na época feliz que concordamos.


"Agora eles estão juntos, como sempre e para sempre".


"Agora eles estão juntos"...


Ribeirão Preto, 21 de março de 2021




12 de mar. de 2021

A LONGA NOITE...

 Meu caro, minha cara.


Foi com ar de graça, com tom jocoso, que eu falei para minha mãe: "Eita! Deu positivo!".


Ela, deitada na maca dentro do quarto a uns 4 metros de distância de mim, murchou na hora.


Naquele momento eu não sabia, mas ela perdeu a guerra alí.


(...)


Quem me conhece intimamente sabe o que tínhamos. Não era uma relação ideal. Dava raiva, medo, culpa. Alí no fundo dava tristeza e amor e um "saudades do que a gente ainda não viveu". Não era perfeito. Nada era perfeito. Mas era o que tínhamos.


Daquele momento da notícia até hoje pela manhã, a queda foi muito brusca. Foram experiências violentas, amedrontadoras. Tristes. Muito tristes...


Ao me despedir dela no hospital, procurei ser otimista: "Percebi que você tomou esse resultado como uma sentença, não como um estado. Não se preocupem com a gente. Se preocupe em sair daqui".


Esqueci de falar "sair daqui com vida".


Cheguei em casa e dormi. Acordei com o telefonema da assistente social pedindo que eu fosse ao hospital. "Quando assistente social liga para parente avisando que médico quer conversar, não é boa coisa", falei para meu marido.


E não era. Depois de duas paradas cardíacas, ela veio a falecer.


Ela desistiu.


Que ela esteja no céu que ela tanto acreditou, ao lado do Deus que ela tanto chamou em oração.


Para mim... Agora ela dorme um sono sem frio, sem dor, sem acompanhante.


Agora ela dorme. Agora, ela dorme...


Ribeirão Preto, 12 de março de 2021.




1 de mar. de 2021

O PEDRISCO DE MARGOT

 Meu caro, minha cara.


A Margot chegou na sexta e hoje ela encontrou um pedrisco na varanda.


Pedaço pequenininho do reboco que caiu da parede quando instalaram a rede de proteção.


Tive que parar de trabalhar à tarde para ver a alegria de Margot com seu pedrisco, feito bola mas mãos de criança.


Na verdade, ela é criança.


Depois, soneca sobre meu ganha pão.


Que eu tenha a sorte de Margot em encontrar pedriscos pelo mundo, sempre e em todo lugar.


Ribeirão Preto, 1 de março de 2021