6 de jun. de 2018

A ÚLTIMA SESSÃO DE TERAPIA

Meu caro, minha cara

     Não levo jeito para a Clínica. Desde que antes de entrar na faculdade de psicologia eu sabia disso. Não iria querer clínica de forma alguma.
     Entretanto, é obrigatório o estágio em clínica para obter o diploma.
     Por isso, no quarto ano, decidi encarar logo esse "fardo" e fui clinicar. Não queria clínica com adultos, nem adolescentes. Sobraram as crianças.
     Com elas, a técnica usada seria a ludoterapia. Terapia por meio do lúdico, da brincadeira. Se tudo mais falhasse, pelo menos iríamos brincar, eu pensei.
     Minha primeira paciente estava então com 7 anos e a queixa era de dificuldade no aprendizado. Na verdade, o buraco era mais embaixo.
     Ela tinha uma doença congenita, neurológica, degenerativa e incurável. Essa doença causa a uma lenta paralisia dos nervos periféricos. Por isso, ela tinha dificuldades de locomoção.
     No afã de tornar as coisas mais "fáceis" para aquela vida tão breve e sofrida, os pais não tinham coragem de olhar para o problema de aprendizagem dela. Não queriam que ela sofresse por não aprender como as outras crianças, já que ela já não andava como as outras crianças. Com isso, ela não aprendia, não conseguia acompanhar as lições da escola e, principalmente, não entendia o que havia de tão errado.
     E eu, que nem pensava em clínica, acabei caindo com um caso assim.
     Foi mais ou menos nessa época que eu descobri que ter escolhido psicologia havia sido um erro para mim. Devia ter feito administração.
     Mas... Já era tarde.
     Fiquei 2 anos com esta paciente. Os dois últimos anos da faculdade. Vi ela contar coisas da escola, da família, do problema de locomoção dela. Brincava com ela, conversava com ela, mas não mentia. Acredito que eu tenha gastado toda a minha cota de compaixão desta existência com ela, porque é muito difícil você falar a verdade para alguém que está fudido, mas sem fuder mais ainda com a pessoa.
     E ela só tinha 7 anos...
     Ao final dos dois anos, ela já havia passado por vários médicos, com várias interpretações diferentes sobre sua doença. Uns falaram que era caso de cirurgia. Outra (uma vaca) disse que ela ficaria paraplégica antes de chegar aos 18 anos, apenas baseado no histórico médico e em exame clínico (os pais piraram por causa dessa cretina). Mas finalmente conseguiram achar um médico legal, que lhes deu o diagnóstico correto, esperança e tratamentos para diminuir o avanço da doença.
     Ela já estava com 8 anos...
     E eu já estava convencida que não aguentaria viver disso.
     Aos 9 anos, ela estava pronta para receber alta e eu, estava pronta para me formar. Ela agora admitia seus problemas de aprendizagem e não mais vivia na fantasia de que seus erros não existiam.
     Acredito que "se formar" seja isso: não estou pronta e acabada. Estou pronta para começar a minha formação. No meu caso, fora da faculdade, no dia a dia.
     Na última sessão, eu perguntei o que ela achava da nossa separação. Ela me disse que chegaria em casa, iria para o quarto e que choraria, pois não iria mais me ver. Pela última vez, coloquei ela nas minhas costas e a levei de cavalinho até o pai dela, que estava nos esperando na recepção. Ela me deu tchau e foi embora.
     Eu não esperei até chegar em casa e entrar no meu quarto. Eu chorei ali mesmo, apoiada na parede, sentada no corredor da clínica da faculdade. O zelador me viu e me levou até em casa, pois já era tarde da noite.
     Tive outros pacientes durante esse período e depois, quando trabalhei como voluntária em um projeto social, mas em nenhum deles eu consegui chegar tão a fundo em outra alma quanto naquela menina. Em nenhum momento, seja na clínica ou fora dela, eu toquei alguém como fiz com ela.
     E também nunca havia me deixado tocar daquele jeito.
     Algumas amigas brincam dizendo que não consigo clínica por falta de empatia, não de discernimento. E eu concordo com elas. Mas mesmo não clinicando eu continuo tendo as pessoas como base do meu trabalho.
     Me pergunto, às vezes, onde foi parar toda aquela compaixão que tive pela menina. Imagino que o choque por ver partir alguém que foi tão especial para mim, simplesmente porque nosso tempo juntas havia acabado, inibiu o cultivo de qualquer coisa parecida por aqui.
     Quero muito que minha carreira tenha sentido. Não só para mim, mas também para outras pessoas. Quero ter aquela sensação, novamente, de ganhar, mesmo sabendo que irei perder em seguida.
     Mas como é difícil suportar...

Ribeirão Preto, 6 de junho do 2018


23 de mai. de 2018

OS EQUÍVOCOS E O PASCAL...


Meu caro, minha cara

                A gente nunca sabe de onde vem o conhecimento que a gente vai usar de fato na nossa vida...
                Eu tiro isso por mim: com 16 anos, ao final do colégio técnico (fiz automação industrial), decidi que queria fazer RH. Não pergunte porque, mas encasquetei com isso lá atrás e hoje eu sinto que foi a decisão certa. Contudo, todas as decisões que tomei depois disso não foram tão felizes assim: fui fazer Psicologia (baita erro), aceitei o primeiro emprego que me ofereceram na área sem pensar se estava pronta ou não (baita erro), me sujeitei a situações que nem meu pior inimigo deveria passar (baita erro).
                Mas, cada um a seu modo, foi um acerto. Afinal, aprende-se com os erros. Só que não foi sobre isso que eu vim falar aqui, porque de todas as coisas que eu vi durante minha vida acadêmica e minha vida profissional, nada foi tão inspirador e prático quanto o Pascal.
                Para quem não conhece, o Pascal é uma linguagem de programação “dazantigas”. O ambiente de trabalho era o saudoso MS DOS (alguém se lembra dele?) e o cúmulo da finesse era conseguir mudar a cor da fonte na tela final, contrastando com o sempre presente fundo preto. Uma “beleza” no ponto de vista do usuário final.
                Para quem programava, era muito chato: tinha que anotar todas as variáveis e elas não podiam ser repetidas, sob pena de criar um loop na programação. As linhas de programação tinham que ter o tamanho que tinham que ter, não importa se isso significava 100 caracteres ou 10.000. As instruções tinhas que ser obviamente explícitas, ou então o programa teria um bug. E o resultado final? Algo tão simples, tão primário, tão medonhamente estúpido do ponto de vista da utilidade que não se sabia do que se tinha mais raiva: do processo ou do desfecho.
                Entretanto, quando lembro das aulas de programação e das aulas de sistemas digitais, eu dou valor hoje. Porque eu errei na escolha da minha graduação (profissionalmente falando) e o que me salva hoje na minha carreira é o senso de ordenação que eu aprendi lá atrás; é saber que algo tem um fim e que sempre temos que esgotar todas as possibilidades antes de ir para o próximo assunto ou desafio; é saber que o óbvio é aquilo que a gente fala, que deixa explícito e comunica com clareza para todas as partes interessadas.
                Não vou dizer que minha graduação foi de todo inútil: gosto de dizer que a Psicologia me ajudou a treinar meu olho e meu ouvido, para ver melhor e ouvir melhor as pessoas e situações à minha volta (papinho de lobo mau travestido de vovozinha, né? Mas é verdade...). Só que dizer que eu uso até hoje as teorias que estudei no meu trabalho seria mentira.
Uso no RH hoje muito mais o que eu aprendi nas minhas experiências fracassadas do passado e da minha pós em gestão de projetos. Procuro passar essas experiências para o meu dia a dia e procurar outras áreas de conhecimento, como Marketing, Administração, Filosofia e Engenharia para compor meu conhecimento atual.
                E uso muito o que aprendi com o Pascal. O chato, velho e didático Pascal...


Ribeirão Preto, 23 de maio de 2018.


21 de fev. de 2018

O QUE EU PERCEBI... ASSISTINDO CHEF'S TABLE

Meu caro, minha cara,

Sou uma assídua consumidora das séries da Netflix. Meu marido fica p*** comigo, porque ele acha que eu dou muita atenção para o aplicativo. Não adianta dizer que eu só assisto enquanto cozinho, ou quando ele está jogando vídeo game, ou quando ele está dormindo e meu cérebro parece uma árvore de natal acesa.
Não importa a explicação, para ele, eu estou viciada.
E eu acredito que ele tenha uma parcela de razão.
Nos últimos tempos, comecei a assistir Chefs Table (A Mesa do Chef). Eu pensei: “será um programa que NÃO É de culinária, mas vai falar sobre culinária.
E me ferrei, porque a última coisa que eles falam é sobre culinária.
Episódio após episódio, fui percebendo o porquê cada uma daquelas pessoas havia sido escolhida para ser o protagonista de cada capítulo. E quando eu digo “perceber”, ao invés de “aprender”, é de propósito: para mim, o processo de aprendizagem é um processo de experimentação e ação; você tem uma ideia, põe em prática, vê o resultado, corrige o que precisa (se der) e põe em prática de novo (se não estiver muito traumatizado com o resultado alcançado até então).
                Perceber significa “notar através dos sentidos; depreender o significado de algo por intermédio da inteligência ou sensibilidade”. Perceber é compreender, mas não significa que tudo o que eu percebo eu apreendo.
Bom, mas eu não comecei a escrever por causa da minha concepção do que seja a diferença entre duas palavras, mas sobre a série. Então, vamos a ela.
Com o passar de cada episódio, pude perceber que:
- Se você tem algo bom na sua mão, mas ninguém está nem aí para o que você produz, não mude seu produto; mude seu público;
- Se quiser algo bom de verdade, convide pessoas que compartilhem de sua noção de qualidade e que estejam comprometidos com o resultado;
- E se quiser que seja algo realmente bom de verdade, procure pelo que há de melhor. Se não houver, produza;
- Modas passam. Seus sonhos mudam. Sua integridade é a única coisa que tem que permanecer;
- Não perca tempo com gente ruim. A vida é muito curta para perder tempo com os “Exús-sem-luz” que sempre encontramos pelo caminho;
- Você nunca sabe de onde virá a inspiração para seu próximo trabalho. Por isso, fique atento ao que acontece à sua volta, ao que acontece fora da sua volta, ao que acontece no outro lado da rua, do muro ou do planeta;
- Muitos irão duvidar da sua capacidade de fazer um trabalho belo. Sua função é provar que você pode produzir algo espetacular, mas não para provar para os outros que você consegue, mas sim pra você mesmo/mesma;
- Todos temos a mesma matéria-prima, mas é a sua mão, seu cérebro e seu coração que dirão se o que você produzir será algo bonito, sofisticado e útil;
- O seu trabalho nunca é só o seu trabalho. Ele é uma experiência do cliente/usuário. Cuide da experiência;
- Se o que você fizer for bom, as pessoas virão de longe para dar uma olhada no que está fazendo;
- Nada do que você fizer virá sem esforço. Esteja pronto para ralar muito;
- As limitações podem ser encaradas como um ponto final ou um ponto de partida. Quem decide o que será é você;
- Não invente a roda: as melhores coisas do mundo são aquelas que são simplesmente bem feitas;
- Entretanto, não se limite;
- Se você é uma pessoa talentosa, parabéns! Apenas lembre-se de que você não é a única pessoa assim no planeta;
- Compartilhe o que você sabe. É muito mais legal trabalhar em um local em que você veja as coisas crescerem - sejam projetos, produtos ou pessoas;
- Tudo muda. A vida é um ciclo e quando um ciclo acaba, outro apenas começa. Não há o que se lamentar (pelo menos, não pela eternidade);
- Não seja metido a besta: gente besta é chata;
- O trabalho é um meio para se conseguir o que quer. Se você não sabe o que quer afora o que já decidiu para sua carreira, então você está ferrado/ferrada;
- Nem sempre dá para fazer o que se quer. Ou você abstrai ou você muda sua realidade. Mais uma vez, a escolha é sua;
- Fazer dá medo. Mas medo não é motivo para não fazer.

Minhas vistas foram até aqui. Deste ponto em diante, fico me perguntando o que perceberei no futuro.
                Obrigada por ter lido até o final! Espero que tenha valido à pena.
                Bom próximo passo a todos!


Ribeirão Preto, 14 de dezembro de 2017

O QUE EU PERCEBI... ASSISTINDO QUEER EYE

Meu caro, minha cara,
Continuo assistindo a muitos seriados. Alguns por serem bobos e 'relaxarem' o cérebro, outros pelo conteúdo mesmo.
Foi dessa forma que eu me deparei com Queer Eye (a tradução literal seria 'Olhar Estranho', mas queer está mais ligado hoje a temas sobre homossexualidade, arte erótica e arte conceitual - ou seja: tudo aquilo que é estranho aos espíritos e mentes menos evoluídas).
Pois bem: queria um seriado 'bobinho' que fosse divertido e me ajudasse a passar o tempo. Quando li a sinopse, pensei: 'Cinco caras gays fazendo um reality show sobre transformação em caras héteros? Deve ser legal!'.
E apartei o play.
E percebi que este era um programa mais ligado a conteúdo do que pela diversão em si.
Para mim, ele tem servido para mostrar que podemos aprender/perceber coisas nos lugares mais inesperados. E eis aqui os meus motivos que a série me deu para escrever a respeito disso (por mais inusitado que pareça). Para o ambiente de trabalho ou para a vida, acabam sendo coisas importantes:
  • Os esteriótipos afastam. As experiências aproximam. O que define se um encontro será dominado por um ou por outro é o quão aberto os interlocutores estão para isso;
  • Assim como as mulheres, os homens também precisam de cuidados - com a própria aparência, com o próprio bem estar, com a própria saúde;
  • Ninguém é obrigado a provar nada para ninguém. No máximo, para você mesmo. Representar papéis só traz infelicidade, peso extra e doença (falo por experiência própria...);
  • Você pode fazer uma revolução externamente: mudar o cabelo, a roupa, a decoração da casa. Mas se não mudar internamente, esqueça; da mesma maneira, você pode mudar de emprego, de relacionamento, de faculdade, de dieta: se seu mindset não mudar, nada mudará;
  • Assim como as mulheres, os homens podem/devem/conseguem chorar quando precisam, seja por alegria ou por tristeza. É saudável, humano e normal;
  • A capacidade de cuidar de si mesmo, de ter tempo para si, sempre deve ser motivo de orgulho, nunca uma vergonha;
  • As coisas mais gostosas do mundo são: ter amigos, conhecer coisas novas, se apaixonar, amar e ser amado (trilha sonora da frase? 'Nature Boy', do Nat King Cole);
  • Os reality shows de transformação masculina são mais ligados na pessoa. Os reality show de transformação feminina são mais ligados aos patrocinadores. Isso é bem triste...
A gente nunca sabe quando virá o próximo insight para aquela transformação que tanto precisamos em nossas vidas. Por isso a importância em mantermos a mente e coração abertos para o novo e o antigo. Esta é a razão pelo qual eu gosto tanto de filmes diferentes, músicas variadas, livros eternos e seriados diversos.
No mais, hoje fico por aqui, aguardando pelas experiências edificantes, perturbadoras e acolhedoras que continuarão a me ajudar a pensar minhas ações e aspirações.
Espero que tenha provocado boas reflexões aí do teu lado da tela.
Bom próximo passo a todos!

Ribeirão Preto, 21 de fevereiro de 2018.

14 de fev. de 2018

MAS O RH DEVERIA... MAS O CANDIDATO DEVERIA...

Meu caro, minha cara,
Há quase um ano tenho sido mais ativa no LinkedIn, lendo matérias, compartilhando assuntos e dando minhas opiniões aqui e ali.
Durante esse tempo, vi aumentar o número de profissionais de diferentes áreas reclamando sobre o RH, principalmente o Recrutamento e Seleção (R&S). Se dizem ofendidos pelo descaso que os RHs demonstram por candidatos não selecionados. Por processos seletivos longos e pouco claros. Pela falta de retorno. Pela falta de feedback. Pelos profissionais de RH pouco preparados. Pela falta de empatia. Pela falta de orientação. Etc.
Estes profissionais têm razão de reclamarem.
Em contrapartida, vejo muitos colegas da área de RH dizendo sobre a falta de tempo e o volume de trabalho (eu sou uma dessas pessoas). Sobre o quanto existem candidatos inconvenientes, que mandam seu currículo duas vezes por semana há 5 meses para vagas que não existem na empresa. Sobre não ter tempo para ler currículos enviados na plataforma Lattes (ou currículos de cinco páginas de uma pessoa com nível de assistente). Sobre não ter tempo de ler, com calma, os currículos que recebem todos os dias. Sobre vagas que são canceladas por um motivo vago. Sobre vagas que são preenchidas por indicações que (todo mundo sabe) geralmente não terão competência alguma para ocupar o cargo. Sobre vagas que "simplesmente" mudam de perfil.
Estes profissionais também têm razão de reclamarem.
Por isso, se alguém estiver disposto a ler este texto até o fim, coloco aqui minhas orientações, de acordo com a minha experiência (se alguém tiver outras ideias ou experiências melhores/mais efetivas, é só falar. O importante é que todo mundo se entenda e se ajude):
CANDIDATOS:
1) Eu sei que você gostaria que o RH da empresa que você mandou currículo te retornasse com dicas de elaboração de CV (caso o seu não esteja 'bom' para 'nossos padrões'), mas isso não vai acontecer. Isso não é papel do R&S, por mais que você queira que seja. Ao invés disso, pegue modelos de elaboração de CVs que estão disponíveis (aos montes) na internet e escreva de acordo com essas dicas. Depois, peça para alguém bem crítico fazer uma 'sessão Advogado do Diabo' com seu CV. Se você se sentir mais confortável que esta pessoa trabalhe com RH, ok, mas o importante é que seja alguém que critique seu CV e mostre como ele pode ser:
  • mais objetivo
  • de fácil leitura e identificação dos seus pontos fortes
  • mais 'limpo' (sem tanta poluição visual)
2) Eu sei que você quer que o RH te dê retorno sobre os processo seletivos que você participou, E VOCÊ ESTÁ COM A RAZÃO, mas entenda que nem sempre o RH consegue dar retorno: seja porque a pessoa está sobrecarregada de trabalho, seja porque não há sistema que faça isso automaticamente, seja porque ela não está nem aí para os candidatos reprovados (vamos ser sinceros, há gente assim SIM!), seja porque o processo está muito longo e ainda não há retorno a ser dado. Seja qual for o motivo para essa falta de retorno, você está no seu direito de questionar a respeito, mas quer uma dica para esses casos? Bola pra frente.
(neste momento, ouço os protestos das pessoas desempregadas, pais/mães de família, que estão passando algum tipo de necessidade e que podem questionar o meu 'bola pra frente'. Sei que a crise está cruel e muitos estão sofrendo, mas essa é a nossa realidade atual. Não é o que queremos, mas é o que temos que lidar)
3) Eu sei que você é um profissional qualificado e que precisa trabalhar, mas com a situação que vivemos hoje, você é UM dos MUITOS profissionais qualificados na sua área que precisam trabalhar. Detalhes contam na hora da entrevista, da dinâmica, do 'sei-lá-o-que' que for parte do processo seletivo. E não há como dizer aqui quais são esses 'detalhes': isso vai além do candidato, pois tem a ver com o profissional que está cuidando do processo, do que a empresa prioriza, do que o dono da vaga prioriza (e por aí vai).
4) Eu sei que você já participou de vários processos e está cansad@ de receber tantos NÃOs. Então, eu proponho uma atividade: faça uma 'sessão Advogado do Diabo' em sua carreira, em sua postura nos processos seletivos, na forma como busca as oportunidades de trabalho. Aprendi uma coisa tempos atrás sobre uma teoria: a Teoria do 1/3. Nela, a responsabilidade de determinada situação é analisada em três partes diferentes. Essa proposta ajuda a delimitar o que é responsabilidade do OUTRO e o que está sob SUA responsabilidade. No caso dos processos seletivos, 1/3 da culpa é da situação atual, 1/3 é da forma como o processo seletivo é/foi conduzido e 1/3 é de responsabilidade do candidato. Mesmo em crise, há pessoas contratando e sendo contratadas, então não podemos jogar TODA a culpa sobre a crise. Cada processo seletivo é diferente um do outro, e eles podem ser bem ou mau conduzidos, ou então o jeito da empresa é um e o seu é outro. Em todo caso, você não tem controle sobre isso, então a responsabilidade neste quesito é de quem contrata. E a sua responsabilidade? Vamos a elas:
  • a forma como construiu sua carreira até agora te torna um profissional desejado?
  • a forma de construir seu currículo valoriza a identificação de seus pontos fortes por quem vai recebê-lo?
  • a forma como você se apresentou e se portou na entrevista e/ou dinâmica está alinhada ao 'jeito' da empresa? (para descobrir isso, entre no site da empresa antes e veja missão/visão/valores. Isso ajuda)
Analisar as coisas desta forma ajuda no direcionamento das ações de correção que você precisa tomar a respeito (AJUDA, mas não soluciona)
5) Eu sei que você quer algo para sua carreira, mas nem sempre o caminho para chegar até ela é direto. Eu já vendi cartela do Bingão de Matão (quem é do interior de São Paulo vai saber o que é), já trabalhei em banco, já tive que atuar como secretária e saco de pancada de mais de um chefe. Tudo isso aconteceu enquanto eu queria chegar na área que estou hoje. Isso tudo serviu para dizer que 'eu venci'? Nem de longe! Ainda não fiz quase nada do que gostaria de fazer na minha área de atuação, mas como sou apaixonada por ela, vou seguir descobrindo. Na verdade, isso serviu para dizer que toda carreira é uma trilha, e não um trilho: a gente sabe o que quer e onde quer chegar, mas o caminho não é reto na maioria das vezes.
Por isso, entenda que às vezes você terá que mudar de rota.
RH:
1) Eu sei que é difícil dar retorno para tanta gente. Afinal, é muita gente mandando CVs, em entrevistas, perguntando sobre vagas, etc. O volume de trabalho é alto e não a equipe onde estamos nem sempre é grande. Como sugestão para sair dessa, crie uma rotina com os candidatos. No meu último emprego, eu já deixava claro: 'se até esta 6ª feira eu não entrar em contato contigo, é porque a vaga não deu certo para você'. É claro que sempre havia aquele candidato que ligava na 5ª, na 6ª, na 2ª feira seguinte para perguntar sobre a vaga. Nesses casos, eu apenas repetia do que eu combinava com eles na entrevista: 'conforme combinado na entrevista, se eu não entrasse em contato contigo até a data X, então significaria que você não havia sido o candidato selecionado'.
(neste novo momento, escuto novos protestos de pessoas dizendo sobre insensibilidade e falta de empatia, mas se coloquem no meu lugar: vejo centenas de currículos, faço dezenas de vagas, FORA as outras responsabilidades. Quando o volume é grande, este é um jeito de dar um parâmetro para os candidatos sobre ser aceito ou não sobre a vaga. Não é o ideal, mas é o possível).
Atualmente, dou retorno para todos os candidatos que eu entrevisto. Por e-mail. E só. Aqueles que eu não chamei para a entrevista, eu não dou retorno. O volume é alto e não dou conta.
2) Eu sei que é difícil dar negativa para um candidato bom, mas que não será contratado. Seja porque há outro melhor, há apenas uma vaga ou ela foi cancelada ou então porque temos que atur... quer dizer, aprovar uma indicação, continua sendo difícil. Mas é necessário. É melhor falar de uma vez e torcer que o melhor aconteça do que protelar.
3) Eu sei que dar feedback para um candidato quando ele pede nem sempre é fácil. Como falar para ele que, apesar de ele/a ser até melhor que os outros, outro foi escolhido? Ou então como falar para ele/a que sua postura foi arrogante durante a entrevista, a forma como se portou foi infantil ou que ele não foi escolhido porque contou algo extremamente inapropriado de um trabalho passado (exemplo: revelar que 'pegou' um desenho industrial de um concorrente, como se fosse algo normal - acreditem: já aconteceu comigo). O jeito é apontar o que a pessoa pode fazer para melhorar sua apresentação para oportunidades futuras (exceto para a pessoa que pegou o projeto 'emprestado'), mas dentro do que você percebeu que ela 'aguenta' (sem sincericídio).
E, por favor, não justifique que ele/a não foi selecionado porque 'Deus tem um plano' (já vi gente de RH fazer isso). Você não sabe se a pessoa é cristão, budista, satanista, ateia, judia, muçulmana ou coisa que o valha. Não vamos misturar estações...
4) Eu sei que é difícil mostrar o valor do RH para 'os chefões', mas enquanto adotarmos esta postura de 'oh! sou apenas do RH', seremos sempre 'a mocinha do RH'. Quando trabalhei com recolocação profissional, meu trabalho era achar vagas e 'cavar' entrevistas para meus clientes. Eu tinha que saber MUITO BEM o que eles faziam, para conseguir 'vender meu peixe' para os donos das vagas. Para tanto, eu tinha que estudar suas carreiras e o que cada área fazia. Aprendi muito nessa época. Muitas vezes (muitas vezes mesmo) eu esbarrava na 'mocinha do RH'. Você sabe como ela é: trabalha no RH, mas só faz pegar os currículos que recebe e os entrega ao gestor da vaga, sem nenhum filtro, dizendo que 'ele é que pode avaliar tecnicamente um currículo se é bom ou não'. Ela/e alega que não sabe a respeito do que a vaga vai fazer porque ninguém a ensina. Mas já foi atrás pra saber de fato?
Foi mesmo?
Uma ex-orientadora de estágio minha me disse uma vez: 'estude, corra atrás, e se alguém quiser passar por cima de você, bata o pi*** na mesa e dê limites' (sim, eu quase usei um palavrão. Quase. Mas era o que ela falava). Por isso, se quiser deixar de ser a 'mocinha do RH', estude seus clientes internos, o que eles fazem e precisam e, caso algum deles queira te por para escanteio, bata a MÃO* na mesa e coloque limites.
* figurativamente falando, ok?
E combine algum tipo de retorno para os candidatos, por favor.

Ao final de tudo, uma coisa é certa: haverão candidatos bons/maus/sem-noção e haverão profissionais de RH bons/maus/sem-noção, da mesma forma que existe a mesma medida para médicos, advogados, arquitetos, economistas, etc. Discutir quem está ou não com a razão é o mesmo que discutir o sexo dos anjos: só serve para perder tempo e deixar todo mundo com raiva.
Aposto que todos os que estão aqui no LinkedIn querem a mesma coisa: que todos fiquem bem, trabalhando com o que gostam, realizando seus sonhos pessoais e profissionais e ajudando pessoas, empresas e comunidades a serem melhores. Qualquer coisa diferente disso é inútil.
Portanto, que tal baixar a guarda e ver o que, dentro do seu 1/3 de responsabilidade, cada um pode fazer para que as coisas melhores? Dá trabalho, mas dará mais certo do que continuar fazendo o que já se está fazendo (digo isso para RH e candidatos).
Boa sorte e bom próximo passo a todos!

Ribeirão Preto, 24 de janeiro de 2018

26 de jan. de 2018