28 de nov. de 2019

PERDÃO. PERDOO. PERDOAR.

(parte 3)

Meu caro, minha cara.

Não havia criança mais meiga nesse mundo. Pena que não o queriam meigo.

Deve ser difícil ser o primeiro filho. Afinal, meus pais "aprenderam" a ser pais com ele.

Comigo, foi só confirmação da "regra".

O menino perfeito, bom filho, bom aluno, bom irmão, bom profissional, bom cidadão, bom marido.

E ele é tudo isso.

Mas o quanto não custou a ele...

Hoje, eu sei.

Pena ter demorado tanto para saber disso...

Ribeirão Preto, 28 de novembro de 2019.

26 de nov. de 2019

PERDÃO. PERDOO. PERDOAR.

(parte 2)

Meu caro, minha cara.

Foi por causa daquela fita K7 que eu descobri tudo. Nela havia a história do meu bisavô (avô do meu pai) narrada por um homem de voz imponente, acompanhada de música suave e sonoplastia de águas rolando.

Meu bisavô era barqueiro no Amazonas e minha bisa sempre o acompanhava. Por isso que minha vó e seus irmãos eram criados pela tata.

Quando meu pai pôs a fita no toca fita, ouvi o nome do meu avô. E percebi que ele tinha o nome do meu bisavô. Mas, ao final, não tinha "Neto". Tinha "Filho".

Como que alguém havia cometido aquele engano?

Perguntei a ele.

Uma, duas, sei lá quantas vezes.

Até que ele gritou comigo.

"Porque sua vó não casou!"

Ele voltou o rosto para o toca fita que ainda funcionava.

Eu fiquei parada na porta do quarto, em choque.

Ele nunca mais falou nada a respeito.

A minha mãe contou que ele também não conversa isso com ela.

Fiz as contas e soube que minha vó teve meu pai aos 25 anos de idade.

Quando dei meu primeiro beijo (já contei sobre isso antes), ele ficou sabendo e quase me deu uma surra. Sorte que consegui me trancar no banheiro antes.

(...)

O tempo passou e eu fiz 26 anos. Estava formada na faculdade, trabalhando e enfurnada na casa dos meus pais, na mesma cidade em que meus pais escolheram se enterrar.

Eles estavam felizes. Afinal, nada rejuvelhece mais um pai e uma mãe do que subjulgar um filho adulto.

Naquele aniversário a relação do meu pai comigo mudou. Ele estava feliz. Muito feliz.

Tenho para mim que tanta felicidade era pelo fato de eu ter chegado aos 26 sem filho algum.

Acho que nunca haverá filho algum...

Ribeirão Preto, 26 de novembro de 2019.

25 de nov. de 2019

PERDÃO. PERDOO. PERDOAR.

(parte 1)

Meu caro, minha cara.

A primeira vez que vi uma foto da minha mãe grávida foi a muito tempo. Ainda morávamos no apartamento da Ponta da Praia, em frente ao quartel.

Na foto, minha mãe estava vestindo um macacão vermelho, sem mangas. Estava sentada na cama, encostada na cabeceira, com cabelo curto, óculos e pernas cruzadas sob a barriga enorme. Fazia uma roupinha para meu irmão, seu primeiro filho.

Lembro que ela contou que, quando estava já em estado avançado da gestação, ela tropeçou num tapete que estava um pouco levantado e, para não cair sobre a barriga, jogou todo o peso do corpo sobre o joelho. Desde então, o joelho ficou zuado e ele puxou o bonde de todas as cirurgias ligadas à parte ortopédica que ela teve que fazer desde então.

Muito tempo depois ela me contou que foi difícil para ela ter dois filhos longe da mãe, pois minha avó (mãe dela) morava em Coqueiros ainda e não tinha como ir até ela. Não sei o porque desse "não tinha como", mas isso era entre elas.

Mais difícil ainda era não ter o apoio da mãe e viver com a hostilidade da sogra (mãe do meu pai), sempre presente, morando na mesma casa, dando pitacos e ordens, subjulgando a nora, moça do interior acoçada por uma postura arrogante e imperiosa de uma mãe solteira.

(...)

Sei que ela quis me proteger de coisas assim: a falta de estudo que te torna dependente de alguém; a falta de capacidade técnica e intelectual que te deixa anos luz atrás no mercado de trabalho; a influência da péssima história de vida da sogra; a "salvação" da minha "alma imortal". Sei porque ela fez tudo o que fez.

Devo perdão a ela por tudo o que fiz, pensei e falei? Até tenho.

Mas sei que não vai dar conta de ouvir o porque de tantos pedidos de perdão.

Até porque, a conhecendo como eu a conheço, ela não entenderá que o que fez me rasgou em mil pedaços...

Ribeirão Preto, 25 de novembro de 2019.

21 de nov. de 2019

14 de nov. de 2019

AH, GERTRUDIS!

Meu caro, minha cara.

"Do nada", lembro da seguinte cena:

Tita recebeu flores de Pedro e a mulher dele ficou putinha, mas ficou na dela.

Eram rosas brancas que foram abraçadas com um "je ne se qua" intenso.

Os espinhos feriram a Tita durante esse abraço e as gotículas de sangue que surgiram tingiram as pétalas de vermelho.

Tita foi correndo para a cozinha com o buquê e resolveu preparar codornas com pétalas de rosas para a família.

E pôs naquele prato tudo o que sentia por Pedro...

O jantar foi, no mínimo, intenso: Mamãe Elena comeu e foi para seu quarto chorar pelo antigo amante. Pedro e Tita devem ter ficado com um tesão do caralho, mas, mesmo assim, cada um na sua. A mulher de Pedro (irmã de Tita e que, para este texto não vai te nome mesmo porque eu a detesto tanto que nem tenho o trabalho de ir atrás ver qual é) ficou "indisposta". Talvez porque recalque deixe as pessoas doentes.

E teve a Gertrudis!

Irmã mais velha de Tita e também solteira, Gertrudis começa a sentir "calores". Vai para o chuveiro (que fica do lado de fora da casa), mas não adianta nada: a água que lhe cai no corpo evapora e emana uma nuvem com perfume de rosas, que é espalhada pelo vento e atinge o nariz do general revolucionário, que estava passando com seu cavalo nas redondezas.

O calor era tanto que a casinha em que ficava o chuveiro pegou fogo (era de madeira...). Gertrudis foge pelo campo, a nuvem de rosas atrás. Encontra o general revolucionário, que a puxa para seu cavalo e, no balanço do galope, lhe tira a virgindade.

O calor continua e o general revolucionário não dá conta.

E, como um bom personagem não-hipócrita que é, deixa Gertrudis num puteiro para que ela dê à vontade pra quem a quiser comer.

Só quando o calor de Gertrudis diminui é que o general revolucionário volta para buscá-la e tomá-a como esposa, companheira de cama, vida e revolução.

(...)

Não entendeu nada? Dá um Google e vá ler o livro...

Ribeirão Preto, 14 de novembro de 2019


10 de nov. de 2019

DO COMEÇO E AO FIM E AO COMEÇO

Meu caro, minha cara.

Ao sair do chuveiro, não se seque.

Vá para um espelho. Mas não um mequetrefe. Um em que você se olhe.

Vire de um lado, do outro, dê quase meia volta. Você tem curvas e retas para mostrar e esconder.

Agora sim, se seque. De baixo para cima para baixo. De um lado e de outro e de outro.

Apenas olhe.

Depois... Escolha.

Eu, atualmente, vou de hidratante.

Então, coloque a roupa. Camada por camada.

Pronto... Você passou a ser um ser humano "normal". Pronto para ser desmarcado por alguém que você quer que te desmascare.

Pétala por pétala...

Ribeirão Preto, 10 de novembro de 2019.



Fiódor Dostoievski


9 de nov. de 2019

A BENÇÃO

Meu caro, minha cara.

"A gente só aprende aquilo que, no fundo, a gente já sabe".

Essa foi uma das muitas frases que ouvi na terapia esta semana.

Não que a terapia seja uma feira de frases prontas, mas uma frase como essa só é considerada uma "frase pronta" quando a gente ainda não "sabe" do que ela se trata.

Dito isso, falo sobre um vídeo que recebi hoje, que trata do tema "gratidão".

(Porque hoje todo mundo fica falando "gratidão" e "namastê" como se isso fosse mudar o mundo)

Assisti o vídeo.

E ele me fez lembrar que o universo vibra o que a gente clama.

Re-clamo tanto do que me fere que parece que é só isso que aparece mesmo.

Mas algo só me fere porque eu estou viva, com relativo grau de saúde, tenho um convênio que me ampara, com salário suficiente para pagar minhas contas, minha comida, minha Netflix e minha internet.

São essas coisas que me feriram até hoje que me levaram à terapia. E sou grata pela terapia. Sou uma pessoa melhor hoje (também) por causa dela.

A gente é ensinado a ver o lado ruim de tudo. Se você não foi, sorte sua. Eu fui. Ver o lado bom, ou pelo menos o lado menos desgraçado é um exercício muito grande...

Já tinha visto esse vídeo antes, mas ele era cheio de "frases prontas" e, por isso, não me liguei.

Mas hoje eu me liguei. Talvez porque hoje eu já soubesse...

Ribeirão Preto, 09 de novembro de 2019.


8 de nov. de 2019

IMPACTO PROFUNDO

Meu caro, minha cara.

Sabe aquele filme "Impacto Profundo", com o Morgan Freeman? Uma das cenas finais mostra o meteoro atingindo a terra e seus efeitos no mundo todo. Uma das pessoas que participou da descoberta do meteoro era uma moça que resolveu ficar com  pai no momento do impacto.

Estavam os dois na praia, conformados com o que iria acontecer. Estavam na praia quando a grande onda provocada pelo impacto veio.

Nem precisa ser muito inteligente pra saber o que aconteceu com eles quando essa super onda chegou.

(...)

Eu acho que já deixei claro aqui a minha predileção e a minha saudades do mar. Sinto falta dele todos os dias, e deixei isso embotado por décadas.

(...)

Não acho que seja coincidência ter elegido o Kraken como meu ânimus.

(...)

Cada vez fica mais nítido que acolhimento, aniquilação e proteção têm, pra mim, a mesma origem.

Ribeirão Preto, 08 de novembro de 2019.


6 de nov. de 2019

NÃO EXISTE ALMOÇO GRÁTIS

Meu caro, minha cara.

Não é à toa que eu faço terapia com alguém da bioenergética.

Não é à toa que eu só sinto meu corpo quando sinto dor.

Não é à toa que eu só sinto o peso do mundo quando sinto meu corpo pesado.

Não é à toa que eu digo a anos que eu tenho que "dar conta" de muita coisa: "dar conta" das responsabildiades. "Dar conta" dos meus atos. "Dar conta" das minhas escolhas.

Contas, contas e mais contas, pagas de um fundo vazio de dinheiro, tempo e amor.

(...)

Ribeirão Preto, 06 de novembro de 2019.


3 de nov. de 2019

JIPINHO VERMELHO

Meu caro, minha cara.

Quando era criança, eu estudava de manhã e ia no Sesc à tarde para as aulas de dança.

Adorava dançar.

Ainda mais sabendo que, ao final do ano, iríamos nos apresentar no teatro do Sesc. As apresentações sempre eram relacionadas a uma história.

Uma tarde, enquanto minha avó me levava ao Sesc à pé, vimos um homem batendo em uma mulher no meio da calçada. Faltava só mais aquela quadra para chegarmos ao Sesc, uma quadra imensa, que dava as costas para um terreno do INSS e de frente a vários campos de futebol de várzea. Além dos campos, os predinhos do BNH.

O cara batia na mulher e minha vó me puxou pelo braço para andarmos mais rápido.

Foi quando apareceu o playboyzinho no jipinho vermelho: ele saiu do carro empunhando uma pistola preta, automática, e mandou o cara parar de bater na mulher naquela hora.

Ele tinha cabelo loiro, um pouco comprido, magrelo, camiseta branca, bermuda jeans e tênis.

E óculos escuros.

Eu queria ver o que iria dar tudo aquilo.

Minha avó quase me arrastou pelo chão, aterrorizada com a cena.

Nunca mais vi coisa semelhante.

(...)

Nosso corpo conta muitas histórias.

Pernas, braços, punhos, dedos, ombros... Seja para dançar ou bater em alguém, nosso corpo conta muitas histórias...

Ribeirão Preto, 03 de novembro de 2019.