12 de mar. de 2024

"SEGUE" O FLUXO

Meu caro, minha cara.

Vista de cima, a piscina infantil do Clube de Regatas Santista tinha o formato de um feijão. Para uma criança de até uns 7, 8 anos, ela por si só já era desafiadora porque havia uma parte mais rasa e outra mais funda. Isso era "o máximo", pois seria como um indicador de que a gente poderia se aventurar nas outras duas piscinas do clube.

Domingo de manhã no verão era geralmente o dia para ir ao clube. Era um saco acordar cedo, eu não entendia porque minha mãe me dava banho para por um biquíni, não entendia porque ela passava protetor ANTES de chegar no clube. Ficava pulando na fila do exame médico, ansiosa por pular na piscina - achava aquilo uma burocracia desnecessaria no auge dos meus 7 anos.

Depois tinha que ir para o vestiário, guardar tudo num armário, colocar a pulseirinha com a chave do armário no pulso, subir a escadaria, passar pelo laguinho de água obrigatório para infestar os pés com cloro e, só então, a piscina infantil.

Anos se passaram entre a piscina infantil e a piscina super funda, que ficava ao lado da cadeira do salva-vidas. Era na piscina de feijão que treinava plantar bananeira, pois na super funda... bem... acho que o motivo é óbvio...

Foi na piscina infantil, isso já com quase 9 anos (eu acho) que tenho uma das lembranças mais legais daquele tempo. Acho que estávamos brincando de pega-pega e a regra é que não podia cortar caminho pelo meio da piscina. E naquele movimento de ir e vir, percebemos que havíamos formado uma corrente d'água que nos "ajudava" a correr/nadar mais rápidos. Logo a brincadeira deixou de ser o pega-pega e virou a de formar uma corrente tão forte, mas tão forte, que pudesse levar a todos numa volta completa pela piscina.

Todas as crianças começaram a andar no mesmo sentido, empurrando a água com as mãos para aumentar o fluxo. Em seguida, alguns pais também entraram - incluindo meu pai - para reforçar o time. Em pouco tempo, havíamos feito uma corrente tão forte que permitiu não apenas as crianças, mas os adultos também,                         serem levados a dar uma volta pela piscina em formado de feijão, sem a necessidade de nadar e por os pés no fundo.

Tudo isso acabou quando a direção do clube interveio. Eles alegaram que as crianças menores não estavam podendo aproveitar a piscina infantil pois as crianças mais velhas estavam formando sua própria corredeira.

Fomos para a piscina funda brincar de Jacque Cousteau.

Anos se passaram.

Décadas, na verdade.

Havia me esquecido da piscina com formato de feijão. 

Agora, estou "no mercado" novamente, procurando trabalho. Ontem a noite eu ponho a cabeça no travesseiro, me lembro dessa cena, e a epifania veio:

Há momentos em que seguimos o fluxos. Há momentos em que fazemos o fluxo.

Fazer dá trabalho, precisará de mais pessoas e pode ser que só dê certo se for num ambiente menor e mais controlado. Mas o fluxo vem. E vem forte.

Eu ainda não sei como fazer isso. Só percebi que "seguir o fluxo" não é mais a única possibilidade que há diante de mim.

Ribeirão Preto, 12 de março de 2024

(Hoje é aniversário de 3 anos da morte da minha mãe. Eu agora entendo porque tomar banho antes de por um biquíni e entrar numa piscina e uso protetor solar praticamente todos os dias...)