29 de ago. de 2016

Beatles - In my life


"Apesar de saber que nunca vou perder o afeto Pelas pessoas e coisas que vieram antes
Eu sei que sempre vou parar e pensar neles
Em minha vida, te amarei mais"

22 de ago. de 2016

PLAQUINHA.

Meu caro, minha cara,


Indo para o médico agora à tarde, tive que passar pelo centro da cidade.
Entre um semáforo e outro, lá na Baixada, pude ver a mistura, um ao lado do outro, de botequinhos e portinhas discretas (boa parte delas, prostíbulos).
Entre um e outro vi uma portinha que tinha uma placa sobre ela, de ferro fundido e com jeitão de antiga. Dizia, simplesmente, "Residência Familiar".

Pelo jeito da plaquinha, acima do batente da porta, esta residência familiar deve existir ali há muito tempo. Deve ser do tempo em que ainda haviam outras residências familiares, em um centro de cidade com comércios familiares. As pessoas que ali moravam deviam sair na rua e ver rostos familiares. A rotina deveria lhes ser familiar.

E o tempo deve ter passado (aliás, o tempo passou), o centro da cidade mudou, os vizinhos se mudaram, a vizinhança mudou, mas a residência familiar ficou.

De tão descaracterizada e desarticulada da sua nova realidade, a residência familiar teve que colocar uma plaquinha no batente de sua porta avisando o que era, sob o risco de, por falta de aviso, ser confundida de função com a nova ocupação dos seus vizinhos.
Não sei se fico triste ou feliz em ver aquela placa.
Aquela placa que mostra que as coisas mudam e que há coisas que nunca mudam.
Aquela placa que anuncia o imutável, para o bom e para ruim.
Aquela placa de ferro, com jeito de placa de cemitério, que avisa que ainda há algo vivo. Se não de verdade (vai que aquela residência não seja mais familiar) ao menos na ideia.
...
São momentos fugazes assim que me fazem parar para pensar que algumas idéias devem mudar muito para que permaneçam as mesmas...

Ribeirão Preto, 22 de agosto de 2016.

VAMOS VER...

Meu caro, minha cara,

Hoje de manhã, segundos antes de atravessar a rua para entrar no prédio onde trabalho, havia um cara num carro importado passando na rua naquele momento.

Eu parei no canto da calçada, esperando ele passar para que eu pudesse atravessar. Venho andando bem devagar depois da cirurgia, por causa do joelho e, por causa da dor que venho sentindo na última semana, voltei a usar a bengala.

Enquanto esperava esse cara passar, percebi que ele diminuiu a velocidade e passou muito devagar por mim. Quase parou. Quando percebi, notei que ele estava me olhando, com a cara mais espantada do mundo. Ele me olhava e olhava minha bengala, incrédulo.

Deveria estar pensando que bengala é coisa de velho. Deveria estar pensando que quem é novo não se machuca e não tem problemas de mobilidade.

Deveria achar que uma pessoa com algum problema de mobilidade ou é um pobre ferrado, que tem que explorar sua desgraça para conseguir alguma graça dos outros, ou então deve ser alguma personagem rica de novela global, que infortunadamente sofreu um acidente e sofre sua desgraça, enquanto tem todo o apoio que o dinheiro pode dar.

Não sou nem uma coisa, nem outra. Até onde sei, meu estado é temporário. Demorará para sarar, mas acredito que ficarei bem.

O que o espanto do motorista de hoje me lembrou vai muito além do que possa ter passado pela imaginação dele.

Me lembrou de que tudo tem limite.

Que é escolha nossa fazer o que der pra fazer dentro desse limite.

Que as vezes a gente escolhe ficar cansado, porque ficar sempre com "pensamento positivo" cansa.

Que a gente tem o direito de ficar cansado.

E que tem o direito de descansar.

Me lembrou que as coisas acontecem com qualquer pessoa, incluindo nós próprios.

E que há coisas que podemos decidir, mas outras, não.

Que decisões tomadas 10, 15, 20 anos antes podem ter consequências agora.

E que não dá pra ficar se culpando pelo que fez e pelo que não fez no passado, não importando se esse passado foi hoje de manhã ou 30 anos atrás.

Me lembrou que as coisas mudam.

As perspectivas mudam.

As opiniões mudam

As prioridades mudam.

Que a gente muda.

E que tá tudo bem. Isso acontece.

E vai doer.

E vai incomodar.

E a gente vai sofrer um pouquinho.

Ou um poucão.

Mas vai passar (assim a gente espera).

E que a gente vai sair melhor do que entrou (assim a gente espera também).

Fiquei muito incomodada com a forma como esse cara me olhou, mas tenho que agradece-lo por ter feito isso. Pois foi esse olhar, hoje, que me fez lembrar tudo isso.

A gente passa tanto tempo prestando atenção no que está fora de nós que, quando alguém ou algo te motiva a prestar atenção no que está por dentro, a gente tem que agradecer (mesmo que seja desagradável).

Hoje eu consegui esse momento. Esperarei ansiosa e atenta pelo próximo.

Vamos ver...

Ribeirão Preto, 12 de agosto de 2016.