27 de jan. de 2021

O MELHOR SOM DO MUNDO

 Meu caro, minha cara.


Aqui, entre o gato e o vento.


O chão frio e a nuvem.


A luz apagada e o raio.


Começa a chover.


O gato foge.


O vento aumenta.


O suspiro sai.


E o escuro fica.


(...)


...ah... como é bom poder ouvir ela cair...


Ribeirão Preto, 27 de janeiro de 2021.




24 de jan. de 2021

PLANO DIRETOR

 Meu caro, minha cara.


Os sonhos vão ficando cada vez mais intensos, tanto em frequência quanto em detalhes.


O de ontem foi assim:


Sonhei que caminhava pelas ruas de um bairro, cuja avenida principal já havia sido palco de outros sonhos. 


Procurava por um novo lugar para morar.


Nas ruas próximas à avenida, um rapaz me falou: "olha, alí há apartamentos para alugar". Fui ver onde ficava a entrada e vi que ela se confundia com a de um parque cheio de fontes e piscinas.


Dei a volta e, antes que me desse conta, já estava em um dos prédios do conjunto, com uma chave na mão, tentando a sorte em um dos apartamentos indicados como vazios.


Mas aquele não estava.


Aquela não era a entrada principal, mas a de serviço. Um apartamento sujo, pouco iluminado, com diferentes níveis e - pasmada - vi que todos os cômodos eram dispostos como braços de uma espiral. Embora ele estivesse ocupado, não haviam moradores ali - haviam invasores. Gente pobre, produzindo algo ilegal, a mando de gente maldosa, ostentando uma vida impossível.


A partir de então o sonho foi um absurdo atrás do outro, uma angústia atrás da outra, até o momento do "basta", marcado por grande violência.


Consegui sair. Alí não haveria lar algum.


Consegui uma casa, distante dali, numa rua tranquila. Casa simples, mas era minha. Até que o festival de absurdos volta até tudo seguir para uma grande violência novamente.


Desta vez, fiquei sem casa e não consegui achar saída dessa cidade cheia de enigmas, que eu só acesso quando durmo.


(...)


Nesta cidade, já vi guerras, feras soltas, levas de pessoas doentes, abrigos pobres e frágeis e inacabados. 


Quem desenhou essa cidade o fez de um jeito que, dela, eu não sobreviveria.


Ribeirão Preto, 23 de janeiro de 2021.




5 de jan. de 2021

ATLAS

 Meu caro, minha cara.


Atlas devorou o mundo, mas não teve estômago para digeri-lo.


Antes, quando o carregava nas costas, poderia arremessa-lo longe quando considerasse que sustentar aquilo era uma perda de tempo sem tamanho.


Só que agora, com o mundo e suas mundices nas tripas, se derrama vegetativo e preguiçoso, achando que o ventre é de aço, assim como eram os seus braços e pernas.


Atlas devorou o mundo pois queria o mundo para si. Mas não há estômago nesse mundo capaz de digerir o que o mundo contém.


Então, Atlas morre aos poucos, sorumbático e ruminante, gemendo pelos braços e pernas que antes tinham serventia, mas não mais.


Condenado pelo Tempo a suportar o globo, condenado por si próprio a não suportar mais nada...


Atlas devorou o mundo. Agora morre aos poucos, atrofiando tudo.


Ribeirão Preto, 05 de janeiro de 2021.




Gilbert Chesterton