25 de out. de 2021
17 de out. de 2021
16 de out. de 2021
TROUXA ENCHARCADA DE SANGUE
Meu caro, minha cara.
Minha mãe sempre me contava algumas histórias sobre a minha avó. Embora me lembre de quase todas, há uma que sempre me marcou, mas nunca havia entendido por qual motivo.
Quando minha mãe era criança, ela e a família eram colonos em uma fazenda. Um dia, minha avó foi chamada para ajudar no parto de uma conhecida.
O colchão, a roupa de cama e camisola ficaram ensopados de sangue, porque foi um parto muito difícil.
Mas mãe e bebê sobreviveram (segundo minha mãe).
Para ajudar a família (pois demoraria dias ou semanas até a parturiente melhorar), minha avó pegou todas as roupas usadas no parto para lavar.
Embalou tudo dentro de uma trouxa enorme e foi até o rio que havia por perto. Fincou uma estaca em cada lado do rio (não era muito largo e profundo onde ela fez isso), amarrou uma corda na ponta de cada estaca e, por fim, amarrou a trouxa de roupa no meio da corda, tomando o cuidado para que tudo ficasse bem preso e não fosse levado pela correnteza.
Da forma como ela fez, a corredeira suave do rio fazia com que suas águas passassem por entre a trouxa, levando para baixo toda a sujeira do parto e todo o sangue.
Não me recordo agora quanto tempo minha mãe disse que essa trouxa ficou amarrada nessa corda, dentro do rio.
Um dia? Dois? Uma semana?
Realmente, não tenho como dar uma estimativa de tempo confiável.
Mas sei que, ao final desse período, minha avó buscou a trouxa com as roupas e todo o serviço pesado havia sido feito pelo tempo, pela água e pelo engenho do seu raciocínio.
(...)
Como disse acima, até então não havia me dado conta do porquê essa história ficou na minha memória desde o momento que eu a escutei.
Mas hoje eu percebi.
A violência de trazer algo novo para este mundo, a debilidade que isso provoca, a preservação do que se é importante, a ação do tempo nas coisas e pessoas, a sagacidade do simples, o poder da atitude...
Tudo hoje fez sentido...
E, fazendo sentido, me senti trouxa... Uma trouxa muito pesada, que não sabe ao certo o que há de novo no mundo, apenas esperando ansiosamente um rio de lágrimas para me lavar e levar embora tudo aquilo que não faz mais sentido algum...
(...)
Céus... Quando isso tudo vai ter um fim?...
Ribeirão Preto, 16 de outubro de 2021...
15 de out. de 2021
10 de out. de 2021
DEUSES DE UMA NOITE SÓ
Meu caro, minha cara.
Ribeirão Bonito, 10 de outubro de 2021.
7 de out. de 2021
OH, F3&€$!!! CAÍ NA BESTEIRA DE LER NIETZSCHE DE NOVO!!!
Meu caro, minha cara.
Poderia começar com uma frase impactante, do tipo "só consegui terminar de ler 'Zaratustra' e entender alguma coisa por agora, depois de 15 anos de tentativas frustradas e bem nesse momento de luto, por causa da morte dos meus pais."
Mas acho que seria muito forçado.
Não que essa seja uma afirmação mentirosa. Mas é meio exagerada. Prefiro dizer que conseguir ter lido e entendido alguma coisa do livro daquele louvável doido no momento terrível que estou vivendo agora é, pelo menos, uma coincidência muito grande.
O que me faz pensar que ler loucuras e verdades "cuspidas" na sua cara só farão sentido quando seu senso de sentido "normal" for para o saco a algum tempo.
E isso me leva a cogitar a hipótese que, para loucuras e verdades, seu espírito deve estar fora da ordem para entender. Precisa estar extra-ao-ordinário.
Sendo extra, fora, além da fronteira. Aí você estará no terreno certo (ou melhor: no terreno incerto das possibilidades, dos caminhos, dos medos revelados, do pânico e do ponto de partida).
Você será a carta zero do tarô. O LSD das experiências atuais sobre o uso de psicotrópicos para tratamento de depressão. Será felicidade e angústia por não ter mais seus referenciais de família e emprego. Ou daquilo que você considera como seus referenciais, a pedra angular da sua vida, passado, futuro e caráter.
Será sesta, floricultor amador, dona de casa e da casa. Será atenção, preocupação, desapego, descanso, esperança, sonhos, pequenas risadas, pequenos agrados e ações pequenas e importantes.
Experimentará tudo. Dormirá e experimentará quase nada. E pensará: "Isso é que é ter tempo para si mesmo?".
Oh, meu caro e minha cara... Durante a dor e na dificuldade de aceitar consolo, caí na besteira de ler Nietzsche de novo!!! E o pior!!! Vou fazer umas tantas outras vezes! Falo isso como uma profecia e como uma sentença!
"Bem aventurados são aqueles que estão dispostos a pirar o cabeção, pois só assim terão uma chance maior de entender as palavras daquele louco sifilítico!!! Que o caos seja louvado!!!"
"Tapas na cara! É o que nos aguardam! Tapas na cara, viés histórico e conscientização inconveniente e necessária é o que nos aguardam, meu caro e minha cara!"
Tinha medo de romper com o mundo, mas o mundo me rompeu inteira e agora me aparece esse mundo novo, do declínio, construção e conquista, tocando no meu cotovelo com a mão gelada e em brasa. Ele me toca com troça, firmeza e com muita verdade. A verdade que se tatua na pele para se lembrar que apenas quem age aprende e que, para aprender mais - se maravilhar com o novo e se deitar nas plumas da satisfação - faz-se necessário agir, se deixar atingir, se deixar morrer, doer e nascer.
Pois quem se deixa atingir, sentir, doer, morrer, se esquecer e nascer é quem vive de novo e de novo e de novo.
(Com ênfase no "morrer", pois do pó viemos e ao pó voltaremos - e isso não é bíblico ou cármico. É químico)
(...)
Aos poucos, me transformo em pó, nitratos, fosfatos, carbono e buffet de bactéria. Fecho o livro e reflito. Não sobre ele, mas sobre mim. Aos poucos, respiro fundo, pois respirar ainda é coisa inédita. Aos poucos, as palavras se assentam, voam, chocam, morrem e ganham vida.
Aos poucos aceito essa desintegração que me unirá um dia a algo lá na frente.
Aos poucos... voar, pousar, dormir... para depois acordar e ver no que vai dar...
(...)
Obrigada, velho-maluco-que-teve-uma-vida-disfuncional-(de-acordo-com-os-padrões-da-sociedade-da-época). Obrigada por me lembrar que tenho presas, não apenas molares.
E que tenho escolhas.
Ribeirão Preto, 7 de outubro de 2021.