29 de jun. de 2020

VIRE BOSTA!

Meu caro, minha cara.

Meu pai conta que o Chico Anísio escreveu um conto sobre uma bichinha que vai a um baile de fantasias vestido de fada e que pega um táxi para ir até lá.

Durante todo o trajeto, taxista e passageiro não se entendem e, chegando ao destino, a "fadinha" toca sua varinha na testa do taxista e diz as seguintes palavras mágicas:

"Vire bosta!"

(...)

Hoje, em plena segunda feira de manhã, desempregada, com a casa precisando de uma pequena faxina, eu acordo já esquadrinhando tudo o que eu preciso fazer para deixar as coisas em ordem.

Mas daí me chega o Juvenal, sentado no meio da cozinha, enquanto eu faço café, e me pede massagem.

"Humana! Esfrega teus pés nas minhas costas!"

E eu esfrego.

Vou arrumar a cama, conforme meu cronograma mental, e lá se vai novamente Juvenal, pulando sobre ela e pedindo atenção.

"Humana! Brinca comigo! Deixa eu morder sua mão!"

E lá vou eu, pegar a varinha dele, carinhosamente apelidada de "vire-bosta", porque quando a pegamos, o tempo dos humanos vira bosta e começa o tempo do gato.

E o tempo do gato não admite cronogramas, tristezas, apreensões com o futuro ou arrependimentos do passado.

O tempo do gato só tem uma coisa: um gato querendo ser gato.

E o resto desaparece...

Ribeirão Preto, 29 de junho de 2020.



21 de jun. de 2020

TEREI RECEBIDO UM CONVITE?

Meu caro, minha cara.

Essa noite eu tive um sonho.

Sonhei que passei a morar com uma família de moral duvidosa.

Nela, havia um segurança de uma fábrica de doces que trazia caixas e mais caixas de sonhos recheados com creme todos os dias.

(Diga-se de passagem, os melhores sonhos que já comi em vida)

Havia um homem de bigodes pequenos e sujos que tinha uma máquina de engarrafar água da torneira como se fosse água mineral. O mesmo homem roubava óleo dos carros e dava cavalos de pau em uma carreta no meio de uma rua de mão única.

(Como eu disse, é tudo um sonho)

Haviam crianças pequenas que, assim que tirei meus anéis dos dedos (eles estavam me matando!), reinvidicação os anéis como se fossem seus.

Meu carro era um daqueles bem antigos, da década de 1970, cheio de tralhas, mas imaculadamente limpo e lustroso.

Era louca por ele.

Havia também um preto velho, a quem eu mandava tomar no c* a toda hora com os dedos (velho chato da p****), a preta velha que vi muitos anos atrás, como num sonho em plena vigília (já falei isso aqui, mas ela era gente boa) e o cara mais normal que havia era um que simplesmente adorava mascar palitos de dente: tinha caixas e mais caixas de palitos em seu armário, formado por prateleiras de plástico e uma cortina velha de chuveiro servindo como porta.

Antes de acordar, vi que tinha conseguido conseguir daquela família para ajudar uma desconhecida a transportar seus panos de brincos hippies para uma barraquinha, pois havia ganhado uma licença da prefeitura para vender na rua.

Depois disso, acordei com a dor de cabeça de sempre, preparei um café e dei bom dia ao dia.

Ah! E tomei os remédios que - eu espero encarecidamente - me ajudam a lidar com um Kraken descontrolado.

E por que eu falei isso tudo? Porque me diverti horrores com esse sonho e acordei me perguntando se eu não seria mais feliz se tivesse uma moral tão duvidosa quanto eles.

Ribeirão Preto, 21 de junho de 2020.


20 de jun. de 2020

MEU LINDO CABELO CASTANHO...

Meu caro, minha cara.

Meu lindo cabelo castanho começou a criar fios brancos em minha cabeça.

Alguns na testa, outros, nas têmporas.

Alguns eu tirei com a pinça. Outros eu deixei.

Embora eu sempre tenha dito que não pintaria meus cabelos quando chegasse a hora, dói ver a hora chegar.

A hora em que você tem quase 40 anos e etc só mais uma boa profissional no mercado.

A hora em que sua ginecologista diz que "você tem mais cinco anos para decidir se quer ter um filho ou não".

"A hora...", "a hora...", "a hora..."

A hora chegou.

Aceite o que lhe foi dado.

Ribeirão Preto, 20 de junho de 2020.




15 de jun. de 2020

BOM DIA

Meu caro, minha cara.

A cidade ainda dorme.

Sei disso porque as luzes dos postes ainda brilham, mesmo quando o sol está surgindo e a lua ainda aguenta firme no céu.

A cidade ainda dorme, e os gatos de rua ainda brincam uns com os outros, cientes que ainda há tempo para brincar.

Solto o meu, que corre direto para o pé de acerola investigar algum bichinho. Eu quero mantê-lo solto, mas meu marido o quer sempre dentro de casa, mesmo que isso cause muita irritação no bichinho.

"É para o bem dele".

A cidade ainda dorme... E eu dou bom dia ao dia...

Ribeirão Preto, 15 de junho de 2020.


9 de jun. de 2020

QUICA LOGO...

Meu caro, minha cara.

Anos atrás uma amiga minha me disse que somos malabaristas equilibrando cinco esferas, cada uma correspondendo a um aspecto da nossa vida: saúde, família, amigos, espiritualidade e trabalho.

Dessas esferas, apenas uma é de borracha. As outras são de vidro.

A de borracha é a esfera do trabalho.

Porque quando ela cai, ma hora ela quica e volta para cima, cabendo a você voltar a equilibrá-la com as outras esferas.

Mas se alguma esfera de vidro cair... Aí f*$@#...

A minha esfera do trabalho caiu a uma semana.

E tô muito ansiosa para que ela quique logo...

Ribeirão Preto, 09 de junho de 2020.




4 de jun. de 2020

OLÉ

Meu caro, minha cara.

O vento toreia as nuvens abaixo do céu de malva.

E abaixo do céu de malva os andarilhos também andam.

Pelos trilhos. Pelos acostamentos. Pelas guias.

Com couraças de moletom que não os protegem de nada: nem do tempo, nem do vírus, nem da sorte, nem do preconceito.

No céu, o vento toreia nuvens sob o céu cor de malva.

No chão, muitos não toreiam mais nada...

Em algum lugar da Anhanguera, 22 de maio de 2020.