25 de nov. de 2017

VAZIO

Meu caro, minha cara

      Estou neste final de semana na casa da minha sogra e, como viemos de carro, trouxemos o Juvenal (nosso gato).
      Minha sogra mora numa casa com um bom quintal, cheio de árvores e orquídeas. Mas isso não é tudo o que tem por aqui: há também as visitas do famigerado gato preto, um gato de rua que ronda a casa atrás da ração da cachorrinha que minha sogra tem.
      Quando o Juvs vem, eles sempre brigam.
      Pois bem. Hoje de manhã, antes das 8h, acordei com os dois brigando na lavanderia. Sai o mais rápido que pude e a única coisa que eu vi com meus olhos sonolentos foi o vulto do gato preto fugindo quintal afora. Peguei o Juvs pra saber se ele estava bem e entramos em casa.
      Me arrumei e, antes de tomar café, fui acompanhar o Juvenal pelo quintal. Era estranho, porque geralmente ele é um gatinho muito independente, mas hoje ele está com medo e não sai de perto de mim. Para ir ao quintal novamente, tive que descer novamente. E ele só vai mais para dentro do quintal se eu for junto.
      Numa dessas idas, sentada na escadaria esperando o Juvenal se decidir se comia uma plantinha ou se escalava uma árvore, eu vi um ninho caído no chão.
      Por razões óbvias, não faço a menor ideia de qual espécie pertencia, mas, como todas as coisas bobas e pequenas que existem, aquele ninho me chamou a atenção.
      Comecei a pensar que nenhuma obra de engenharia ou arquitetura humana serão páreos para esse ninho. Embora frágil a meus olhos, o ninho foi construído com materiais mais resistentes do lado de fora e mais maleáveis e confortáveis do lado de dentro.
      Ele tem o tamanho certo para a quantidade de ovos que iriam ser postos e chocados.
      Ele pode ter sido aproveitado para mais de uma ninhada, mas se não foi, outro foi feito no lugar e este fora descartado. Pode ter sido atacados por algum animal.
      O tempo (não vou dizer mau tempo, porque a natureza nunca é má) pode ter feito com que caísse. Os ovos ou filhotes que estivessem dentro podem ter morrido.
      A Terra não parou de girar por causa disso.
      Da mesma forma, ovinhos e filhotes podem ter sido criados nesse ninho sem qualquer intercorrência; foi dele que foram expulsos pelos pais. Foi dele que aprenderam a voar e saíram, para não voltarem. Passarinhos não devem ser nostálgicos.
      Daí, enquanto Juvenal estava explorando o quintal, eu pensei: "Que loucura é isso, não? Há tantos exemplos, como esse ninho, que nos dizem que as coisas não devem ser frágeis ou resistentes. Elas devem ser suficientes, a um propósito e a um tempo. Elas devem ser 'abandonadas' quando o tempo e o objetivo não existem mais. Elas são feitas para deixarem de existir quando não houver mais espaço para elas, para dar espaço a outras coisas.
      Nós, como seres 'inteligentes', não temos a menor noção disso, como se nossa natureza atual fosse ser contrário a essa natureza".
      Voltei para a sala e o Juvs me acompanhou. Ele quer voltar para o quintal, mas eu precisava escrever isso, antes que podese perdesse na minha memória.

(...)

      O tempo de escrever terminou. Vamos voltar ao quintal agora.

Ribeirão Bonito, 25 de novembro de 2017