31 de out. de 2020

O CANCERIANO AMARELO

 Meu caro, minha cara.


Estimou-se que ele tinha um ano quando o adotamos. Quem falou isso foi a veterinária que o examinou.


"Deve ter nascido em outubro".


Como a história dele era um mistério nesse suposto um ano de vida, escolhemos o dia 10 como data de aniversário.


Ou seja, um libriano.


Durante três anos, o Juvenal foi o rei da casa. Todos os mimos e carinhos e preocupações eram por ele. A "briga" era pra saber de quem ele gostava mais. Como eu que sempre o levo no veterinário, dou ração, o põe no colo para ninar, passo minutos infindáveis fazendo carinho e coçando sua cabeça, é natural que ele prefira a mim do que ao meu marido.


Mas a chegada da Zuleica fez o mundo dele ruir.


Ele olhava para mim como um "que" de surpresa, indignação, mágoa e raiva.


Tudo por causa de um filhote que, hoje, está fazendo tratamento para a bronquite.


Ao invés de partir para ignorância, Juvs decidiu pagar de passivo agressivo na história. Ele não percebe, mas cada vez que ele se lança para cima dos armários ou chora para sair de casa e dar o seu rolê, ele dá mais espaço para que a Zuleica domine seu território.


Ele sofre, chora, não concorda com um outro gato em sua casa, mesmo que o gato em questão seja a filhote mais miúda da ninhada.


Sua mágoa me fez pensar sobre a minha: eu sofro, mas abro mão. Mesmo de coisas que eu quis muito outras vezes, mesmo assim abri mão.


Como isso é infantil e inútil...


Por isso que eu acho que ele é como eu: melancólico com as mudanças, achando que se fazer de difícil é o melhor jeito de garantir que alguém se sinta culpado por tê-lo magoado.


Mas a mágoa é minha. É a forma que escolhi reagir por muito tempo.


Com 13 anos de terapia nas costas, entendo que a mágoa não leva ninguém a ligar algum.


(...)


Mas o Juvenal não faz terapia. Não sabe falar português e tudo o que podemos fazer é abrir espaço para sua angústia e deixar que ele aprenda - por si só - que a vinda dela para nossa família foi pensando mais nele do que em nós mesmos.


(...)


Pelo sim, pelo não, vou mudar a data estimada de nascimento dele: algum dia de junho ou julho, dentro do primeiro decanato. Se o mundinho dele foi para as cucuias, pelo menos que a gente deixe alguma coisa certa...


Ribeirão Preto, 31 de outubro de 2020.