(apenas por ser delicado. Apenas por ter sido lembrada)
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...OS PÃEZINHOS MAIS BONITINHOS QUE VOCÊ ENCONTRAR.
Meu caro, minha cara,
Na
semana passada eu tive uma pequena aventura: meu carro parou próximo ao centro
da cidade por estar sem combustível. Achei que o carro conseguiria chegar até o
posto apenas com o poder do meu pensamento positivo, mas não ajudou. Por isso,
guardei minhas coisas e, munida apenas do cartão, do celular e da chave do
carro, fui até um posto de gasolina próximo, situado ao final de uma íngreme ladeira.
Chegando
no posto, pedi por um galão emprestado para levar a gasolina até meu carro.
Enquanto esperava, a moça da conveniência me perguntou se eu já conhecia a
loja. Como eu nunca tinha parado naquele posto, ela me convidou para entrar e me
deu dois pãezinhos: um normal e outro integral. Fiquei sem graça na hora,
porque achava que já havia gastado minha cota de pedidos ali por causa do galão
de gasolina emprestado, mas a moça (que se chama Natália) fez questão de me dar
os pães, para que eu conhecesse o produto e, quem sabe, virar freguesa.
Quando
saí da loja, veio o frentista com dois galões, que encheu com gasolina com
cuidado e até me ofereceu um pedaço de pano velho, porém limpo, para que eu protegesse
as minhas mãos no caminho até o carro. Achei a oferta do tecido gentil, porém
desnecessária, e lá me pus a subir a íngreme ladeira na minha volta ao carro,
com os dois galõezinhos e os pães.
Em
outros tempos eu estaria maldizendo tudo o que ocorrera comigo naquela noite:
me xingaria por ter confiado tanto no “poder do pensamento positivo” e ficaria
com medo de descer aquela rua sozinha, à noite, tão perto do centro. Em suma:
eu me auto flagelaria o mais que pudesse. Porém não foi isso que eu fiz. Achei
graça, um infortúnio fortuito, uma intercorrência que se revelou algo até...
agradável! Fiz um exercício involuntário, aprendi a não contar tanto assim com
a sorte e, de quebra, ganhei dois pãezinhos.
E
esses não foram os únicos pãezinhos que encontrei na vida. Durante um almoço,
meses atrás, pedi para a moça que estava me atendendo que me desse alguns pães
para comer junto com o prato (porque... você sabe: macarrão pede um pãozinho
para molhar no molho!). Ela se virou para seu ajudante e disse, com satisfação:
“Fulano, por favor, traga os pãezinhos mais bonitinhos que você encontrar e
traga aqui para ela”. E o pão depois disso teve gosto de festa na minha boca.
Você
pode achar que todo este texto serve para dizer o quanto eu gosto de pão (e eu
realmente adoro!), mas para ser sincera, o pão é o meu pano de fundo para as
gentilezas que recebi através dele.
Tanto
no posto quanto no restaurante eu me senti bem-vinda e “alimentada” com a gentileza
que essas duas moças demonstraram ao me servir um simples pãozinho. Mesmo que
haja um componente comercial embutido na oferta, elas foram feitas de tal
maneira que superaram, para mim, o objetivo proposto: eu não só sinto vontade
de voltar a esses lugares, mas também sinto vontade em replicar o que me foi
dado. E aqui eu falo da gentileza, não só do pão.
O
exercício da gentileza é, como a própria expressão diz, um exercício: não pode
ser feito à contento sem que houvesse sido praticado antes. Para algumas
pessoas, essa habilidade lhes é tão natural que pode se dizer que é inata, mas
eu discordo. Creio que o conjunto de experiências que uma pessoa teve na vida,
aliada à sua criação e ao seu repertório interno para lidar com todo tipo de
situações torna uma pessoa mais propensa (ou não) a esta prática que é tão
venerada por todos (digo “todos” porque até o momento não achei ninguém que a
considerasse detestável). Sendo assim, passaria a ser tão natural quanto
respirar.
Eu,
infelizmente, estou na categoria do “ou não” dita acima. Não quero dizer com
isso que eu sou uma ogra... ok: eu sou bem ogra! Mas não quero ser mais assim...
Se
eu acredito que uma pessoa que pratica a gentileza o faz por causa de suas
experiências, criação e repertório interno, eu também posso acreditar que essas
três condições podem ser construídas por mim e para mim. Dá trabalho. Dá muito
trabalho. E cansa demais ter que parar para pensar antes de agir, antes de
falar, pensar no tom, na expressão, nas palavras, nos gestos... Imagine o
quanto isso é cansativo?!? Entretanto, o fato de dar certo desgaste não
justifica abandonar a prática.
Eu
vou ser blasé e dizer aqui que eu acho que ainda há muito a ser feito para que
eu consiga chegar a um estágio em que seja natural oferecer os pãezinhos mais
bonitinhos que eu encontrar para alguém. Mas se há muito a ser feito, que seja.
De algum lugar tem que se começar, não é mesmo? Eu acho que já comecei, mas
apenas o tempo e os sorrisos dos terceiros é que irão me dizer se estou no
caminho certo ou não.
Ribeirão Preto, 5 de outubro de
2015
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