5 de out. de 2015

...OS PÃEZINHOS MAIS BONITINHOS QUE VOCÊ ENCONTRAR.

Meu caro, minha cara,

                Na semana passada eu tive uma pequena aventura: meu carro parou próximo ao centro da cidade por estar sem combustível. Achei que o carro conseguiria chegar até o posto apenas com o poder do meu pensamento positivo, mas não ajudou. Por isso, guardei minhas coisas e, munida apenas do cartão, do celular e da chave do carro, fui até um posto de gasolina próximo, situado ao final de uma íngreme ladeira.
                Chegando no posto, pedi por um galão emprestado para levar a gasolina até meu carro. Enquanto esperava, a moça da conveniência me perguntou se eu já conhecia a loja. Como eu nunca tinha parado naquele posto, ela me convidou para entrar e me deu dois pãezinhos: um normal e outro integral. Fiquei sem graça na hora, porque achava que já havia gastado minha cota de pedidos ali por causa do galão de gasolina emprestado, mas a moça (que se chama Natália) fez questão de me dar os pães, para que eu conhecesse o produto e, quem sabe, virar freguesa.
                Quando saí da loja, veio o frentista com dois galões, que encheu com gasolina com cuidado e até me ofereceu um pedaço de pano velho, porém limpo, para que eu protegesse as minhas mãos no caminho até o carro. Achei a oferta do tecido gentil, porém desnecessária, e lá me pus a subir a íngreme ladeira na minha volta ao carro, com os dois galõezinhos e os pães.
                Em outros tempos eu estaria maldizendo tudo o que ocorrera comigo naquela noite: me xingaria por ter confiado tanto no “poder do pensamento positivo” e ficaria com medo de descer aquela rua sozinha, à noite, tão perto do centro. Em suma: eu me auto flagelaria o mais que pudesse. Porém não foi isso que eu fiz. Achei graça, um infortúnio fortuito, uma intercorrência que se revelou algo até... agradável! Fiz um exercício involuntário, aprendi a não contar tanto assim com a sorte e, de quebra, ganhei dois pãezinhos.
                E esses não foram os únicos pãezinhos que encontrei na vida. Durante um almoço, meses atrás, pedi para a moça que estava me atendendo que me desse alguns pães para comer junto com o prato (porque... você sabe: macarrão pede um pãozinho para molhar no molho!). Ela se virou para seu ajudante e disse, com satisfação: “Fulano, por favor, traga os pãezinhos mais bonitinhos que você encontrar e traga aqui para ela”. E o pão depois disso teve gosto de festa na minha boca.
                  Você pode achar que todo este texto serve para dizer o quanto eu gosto de pão (e eu realmente adoro!), mas para ser sincera, o pão é o meu pano de fundo para as gentilezas que recebi através dele.
                Tanto no posto quanto no restaurante eu me senti bem-vinda e “alimentada” com a gentileza que essas duas moças demonstraram ao me servir um simples pãozinho. Mesmo que haja um componente comercial embutido na oferta, elas foram feitas de tal maneira que superaram, para mim, o objetivo proposto: eu não só sinto vontade de voltar a esses lugares, mas também sinto vontade em replicar o que me foi dado. E aqui eu falo da gentileza, não só do pão.
                O exercício da gentileza é, como a própria expressão diz, um exercício: não pode ser feito à contento sem que houvesse sido praticado antes. Para algumas pessoas, essa habilidade lhes é tão natural que pode se dizer que é inata, mas eu discordo. Creio que o conjunto de experiências que uma pessoa teve na vida, aliada à sua criação e ao seu repertório interno para lidar com todo tipo de situações torna uma pessoa mais propensa (ou não) a esta prática que é tão venerada por todos (digo “todos” porque até o momento não achei ninguém que a considerasse detestável). Sendo assim, passaria a ser tão natural quanto respirar.
                Eu, infelizmente, estou na categoria do “ou não” dita acima. Não quero dizer com isso que eu sou uma ogra... ok: eu sou bem ogra! Mas não quero ser mais assim...
                Se eu acredito que uma pessoa que pratica a gentileza o faz por causa de suas experiências, criação e repertório interno, eu também posso acreditar que essas três condições podem ser construídas por mim e para mim. Dá trabalho. Dá muito trabalho. E cansa demais ter que parar para pensar antes de agir, antes de falar, pensar no tom, na expressão, nas palavras, nos gestos... Imagine o quanto isso é cansativo?!? Entretanto, o fato de dar certo desgaste não justifica abandonar a prática.
                Eu vou ser blasé e dizer aqui que eu acho que ainda há muito a ser feito para que eu consiga chegar a um estágio em que seja natural oferecer os pãezinhos mais bonitinhos que eu encontrar para alguém. Mas se há muito a ser feito, que seja. De algum lugar tem que se começar, não é mesmo? Eu acho que já comecei, mas apenas o tempo e os sorrisos dos terceiros é que irão me dizer se estou no caminho certo ou não.


Ribeirão Preto, 5 de outubro de 2015