25 de abr. de 2020

RITO DE PASSAGEM

Meu caro, minha cara.

Muitos anos atrás, quando era pequena (tipo, uns 10, 11 anos), eu estava numa das festa de aniversário dos meus primos (não lembro qual) lá no salão de festas da loja maçônica que meu tio frequentava.

Aquele salão é motivo de muitas lembranças boas, pois as festas que meus primos tinham lá eram divinas! As melhores do mundo, sempre!

Nessa festa em especial todas as crianças já estavam crescidas o suficiente para não participarem mais de jogos de salão.

Quando o parabéns foi cantado e o bolo, cortado, as luzes se apagaram e começou o bailinho.

(Lá em Santos era bailinho, aqui em Ribeirão é brinca...)

E eu não me lembro de ter participado de um antes...

Sentada na cadeira esperando algum menino me chamar para dançar, lembro até do vestido que eu usava: sem mangas, trapézio, muito colorido.

Amava o vestido...

E então, sabe-se lá qual música, ele me chama.

Irmão mais velho do menino mais chato da turma, ele era o mais legal.

Só que ele era bem mais velho que os outros. Por isso eu me assustei com o convite.

Ele pegou na minha mão, perguntou se eu queria dançar e me levantei...

...ou tentei...

Porque o fecho do meu vestido enrroscou na cadeira e antes que eu conseguisse me soltar, a prima mais imbecil e invejosa que eu tinha pulou na frente dele e o puxou para a pista de dança!

(AHHHHHHHHHHHHHHH!!!)

O garoto mais bonito tinha me chamado para dançar e eu não fui...

(Ah... Se desse para colocar uns emojis chorando aqui, haveriam vários...)

Não lembro o que aconteceu depois. Sei que tive que pedir ajuda para me desgrudar da cadeira.

Ela, aquele projeto de filha da puta, dançando e rindo da minha cara de desespero.

Nunca mais tive contato com ele.

Sempre vou me lembrar dessa história...

Ribeirão Preto, 25 de abril de 2020.


RETRATO DO DIA

Meu caro, minha cara.

Um beija flor bisbilhotou pelo parabrisas do carro, mas foi embora.

Acho que o que ele viu não chamou muito a atenção.

Ciclistas viram seus rostos desconfiados, usando capacete e máscara, enquanto descem a ladeira e apreciam a paisagem.

Alguns carros passam. Pelo que vi, todos são "melhores" que o meu (ou com certeza bem mais caros). Lá longe, o ronco de motos potentes gritando na Anhanguera.

O vento sopra. Sobre as folhas das árvores, folhas da cana ou sob as asas dos urubus que planam.

Tento falar com algumas pessoas, mas só converso com aquelas que não quero.

Melancolia e dor. Dor e melancolia.

A tristeza não fica menos triste quando se está num lugar tão bonito...

Mas, pelo menos, o beija flor voltou...

Em algum lugar entre Ribeirão Preto e Cravinhos, 25 de abril de 2020.


23 de abr. de 2020

ROTA DE FUGA

(A estrela mais brilhante só pode ser vista da estrada escura e no meio do nada...)

Meu caro, minha cara.

Tomei banho, vesti uma calça, a blusa que ele não gosta, chinelos, e saí.

“Vou sozinha”, disse.

Não queria companhia. Ou testemunhas.

Não queria um par de olhos me medindo, medindo a altura do som do meu carro, os ponteiros do velocímetro ou do contagiro.

Adoro dirigir à noite. Se for com o vidro aberto e um rock nas alturas, melhor ainda...

Pego a Anhanguera e desço. Não muito. Corto a cidade fofa e pego outra estrada. Ela é curta porque eu corro muito. Foi correndo que eu fiz a primeira curva brava. Foi correndo que eu pisei no freio e correndo voltei ao acelerador.

Quando não vinha ninguém, desligava os faróis. Na noite preta do asfalto solitário, a estrela mais brilhante brilhava.

Foi quase no fim do caminho que tudo rosnou. O carro e eu. A garganta e a boca explodiram junto com a cabeça, num típico grito de mulherzinha indefesa de filme de terror B.

Agora, o motor esfria, a garganta arranha e eu, espero o lanche ficar pronto.

Na rua iluminada por refletores de halogênio, a estrela mais brilhante brilha longe dos meus olhos.

Ribeirão Preto, 23 de abril de 2020.



17 de abr. de 2020

POR LUGAR ALGUM...

Meu caro, minha cara.

Com cinco semanas de enxaqueca precariamente controlada, quieta dentro de casa quase todo o tempo e com a cabeça cheia de mil mundos, não me vejo com coragem para falar.

Como se as palavras fugissem e deixassem os sentimentos sem significado.

Nessas passagens, o Kraken volta a ser o Kraken de anos antes e ataca o pescoço e a cabeça.

Mais uns meses com dor. Depois de... quatro anos? Vesícula, joelho, cabeça, pescoço e costas.

O que mais falta?

"Sossega, filhote", digo enquanto procuro acalmá-lo.

"Sossega... não queira fazer as coisas por mim e do seu jeito. Faça-as comigo... Não seja mais um que quer decidir minha vida sem me consultar... Sairemos dessa juntos, se você for paciente..."

Alguém já viu um kraken com paciência?

Bolsa de água quente, garrafa de água, paciência e trabalho a ser feito.

"Apenas me ajude a enfrentar o hoje. A aguentar. A viver. A passar. O hoje."

"E a resposta é 'não': não me diga que eu posso comer mais um doce. Por favor, não me sabote".

O hoje vai passando dentro de seu próprio tempo.

Os mil mundos terão que esperar...

Ribeirão Preto, 17 de abril de 2020.

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5 de abr. de 2020

MERA COINCIDÊNCIA

Meu caro, minha cara.

Tiro as roupas de dentro da máquina de lavar e vejo que algumas estão cheias de pelinhos brancos.

"Ai droga! O filtro tá entupido!"

Tiro todas as roupas, separo aquelas que vou ter que lavar de novo, estendo as outras nos varais e vou ver o filtro.

Entupido era pouco! Estava lastimável...

Mesmo com os pelinhos brancos, estendi as peças que precisavam de nova lavagem, para limpar a área de serviço. Então, enchi a máquina e joguei um frasco inteiro de cloro dentro.

(...)

No dia seguinte (hoje, pleno domingo), acordo de madrugada. O gato queria sair do quarto e eu, sair do corpo.

Demorei ainda pra levantar, mas mesmo assim foi muito cedo.

Mas me levantei. Tomei café, banho, pus ração pro gato, lavei louça e soltei o kraken.

Fui até a máquina de lavar e vi o quanto de sujeira havia se desprendido dela. Soltei a água e tirei a sujeira com um pano.

Enchi novamente, pus para agitar (para soltar mais sujeira) e esvazie novamente.

Quando fazia a segunda rodada de retirada dos pequenos detritos, meu nariz resolveu funcionar.

(Não sei se você sabe, mas quase não tenho olfato)

O cheiro era de... Cloro.

(Claro que era de cloro, o que eu deveria esperar?)

Mas aquele cheiro suave de cloro me fez lembrar das manhãs de domingo em que íamos no clube.

Quando criança, sempre detestei acordar cedo. Ainda mais nos domingos. Mas quando era para ir no clube, eu desculpava o universo por isso.

Aliás, para mim, o melhor dos mundo seria aquele em que eu pudesse dormir até tarde e, quando saísse, o sol retrocedesse seu curso para poder aproveitar mais horas na piscina.

A entrada das piscinas era pelo vestiário. Azulejos cor azul calcinha com textura de micro bolinhas. Quando andava descalça, arranhava meus pés.

Subíamos as escadas e passávamos por um pequeno tanque para retirar a sujeira dos pés.

E lá estavam as piscinas! Azuis, cheias de água, com seu cheiro característico de cloro e suas pedras claras e quentes pelo sol.

Só não era mais perfeito porque minha mãe insistia para eu sair em alguns momentos e passar o protetor solar.

Quem me dera existir um protetor contra mães super protetoras...

(Pode parecer ingratidão o que eu disse, mas esperar o protetor solar secar era o menor dos meus problemas...)

Terminando de limpar a máquina, terminam as minhas lembranças. Agora, sento no sofá para contar isso, olhando para fora e vendo um dia perfeito de sol nesta quarentena.

Meu marido acorda e sai do quarto. Vai direto para o banheiro lavar o rosto e tomar banho.

Está é a minha deixa para voltar para encarar que preciso comprar cloro para limpar a casa...

Ribeirão Preto, 5 de abril de 2020.