13 de ago. de 2021

"...TODOS OS GATOS SÃO PARDOS"

 Meu caro, minha cara.


Há um certo charme no gueto. É algo que não sei explicar.


Mas a noite, a sombra, o que é velado, feio e sujo... me atraem.


Dirijo meu carro pela Baixada. As lojas – de todos os tipos – estão fechadas. Só os bares e as farmácias estão abertos.


E os bordéis, é claro.


Contrariando as recomendações de todos, dirijo devagar pelo Centro. O fato de não ter trânsito ajuda muito nisso. Gosto de olhar os detalhes das construções que estão escondidas atrás das fachadas. Os arabescos esquecidos me confortam, assim como as esquinas.


Nelas sempre existem as mulheres mais corajosas que conheço. Pois é preciso coragem para se vender. Coragem ou desespero. Ou os dois. Mas prefiro pensar que, apesar de todas as justificativas, é preciso coragem.


E até um certo bom humor.


Pois é só na Baixada que o top rosa pink encontra a saia de elanca ciano e a sandália plataforma preta e tudo fica bem.


É lá que o ambulante aparece de banho tomado, cheirando a desodorante Avanço e chinelo limpo, andando pelas calçadas com prazer e pensando na féria do dia.


Ou que o estudante ganha a sensação de liberdade e independência.


Homens e mulheres. Fumando cigarro ruim (por ser barato). Bebendo cerveja ruim (por ser barata). Rindo ou metendo o pau em alguém (por ser de graça). Bebendo, fumando, rindo e xingando até o momento do “por que não?”, que antecede a caminhada animada até um lugar mais reservado para um boquete ou uma trepada rápida, um gozo, um pagamento, “até mais”.


Só que também há espaço para o desejo contido, negociado a boca pequena, resultando numa caminhada longa (mesmo que curta) do temporário casal, para o mesmo desfecho. Ele, barba por fazer, olhos para o chão e camisa rota. Ela, vestidinho apertado, decote sem recheio, de braços cruzados e uma fivela no cabelo.


Há beleza na melancolia. E no vulgar.


Continuo dirigindo. Dobro esquinas, sempre devagar, procurando a próxima cena, a próxima vitrine.


Um ou outro trabalhador caminha pela calçada, indo ou vindo de um ponto de ônibus. Como será sua casa, as pessoas com quem convive, seus pensamentos?


Quais são suas expectativas e opiniões?


Passo num buraco sem querer e o carro sente. “Tenho que mandar trocar os amortecedores”, lembro eu.


Olhando o feio, o sujo, o vulgar alheio, lembro da minha própria escuridão.


Aceno para ela. Ela responde. Mas quando vem até mim, fujo. Com meu carro. Chego na avenida e acelero. Como será minha casa, as pessoas com quem convivo, meus pensamentos?


Quais são as minhas expectativas e opiniões?


Por hora, não sei...


"À noite, todos os gatos são pardos", não é mesmo?


Por hora, apenas aceito a sombra alheia. E dirijo. Para longe de mim mesma.


Ribeirão Preto, 13 de agosto de 2021.