Meu caro, minha cara,
Ainda bem que nada de mais grave
aconteceu.
Decerto vou ter que gastar o
dinheiro que guardei para a minha viagem de férias por causa de hoje, mas nada
grave aconteceu.
Também é certo que vou ter que me
apertar por um tempo, mas ainda bem que tudo é contornável.
Digo tudo isso porque é verdade. E
tenho como provar.
Nesta madrugada meu carro foi
arrombado dentro da garagem da minha casa. Não levaram nada. Nem mesmo meu som
novo. Ao contrário. Deixaram-me algo indesejado: uma porta inutilizada. Trouxeram-me
algo indesejado: intranquilidade. E tudo isso dentro da garagem da minha casa.
Qual não foi a minha surpresa
quando saía para trabalhar hoje de manhã e vi as portas apenas encostadas e
esgarçadas. O interior revirado. O portão da garagem intacto. Um enigmático
copo descartável jogado no banco de trás.
Qual não foi a minha surpresa...
Olhei para aquilo e sentei. E olhei
de novo. E pensei: tenho que ligar para minha chefe e falar o que aconteceu. Tenho
que ligar para a polícia e para a seguradora.
Ainda bem que mantive a calma.
E ainda bem que isso aconteceu
este mês, porque se fosse entre fevereiro e julho, eu teria me afundado mais e
mais na minha depressão, doença que me corroeram os dias e que me deixou marcas
muito doídas.
Ainda bem que eu pude sentir e
pensar. Foi o que norteou o que eu deveria fazer no momento.
Em uma manhã resolvi parte do meu
problema e organizei a outra metade. Agora, é aguardar os fatos.
Durante esse período, enquanto ia
de um lado ao outro para combinar os reparos, pensava: “Que desgraça! Justo
quando comprei meu som! Demorei tanto pra conseguir isso e quase que ele é
roubado...”. E quando estava prestes a maldizer a aquisição, eu me corrigi. Eu
me lembrei de que não posso me culpar pelas conquistas que tenho e que tentam
me tomar à força.
Não chegou a ser uma epifania,
mas foi um belo dado de realidade.
Ainda bem que faço terapia. Sem
ela, não teria chegado a essa conclusão tão rápido.
(...)
Curioso como nos lamentamos
quando coisas ruins acontecem e nos deixamos levar por elas. Hoje foi um desses
dias em que aconteceu uma dessas coisas ruins. Porém, ao contrário da minha
reação normal, eu passei mais tempo lembrando as coisas boas, ou das coisas
piores que poderiam ter acontecido - mas não passaram de possibilidades.
Poderiam ter roubado meu som, mas
ainda bem que não roubaram.
Poderiam ter roubado meu carro,
mas ainda bem que não o fizeram.
Poderiam ter invadido minha casa,
mas ainda bem que isso não aconteceu.
Poderia ter me descontrolado, mas
ainda bem que mantive o pensamento claro.
Poderia ter acontecido com alguém
que não tivesse recursos para consertar a situação, mas ainda bem que aconteceu
comigo, e não com ela (seja “ela” quem for).
Ainda bem que não estava presente
no momento que fizeram isso. Ainda bem que ninguém se machucou.
(...)
Hoje não foi um dia feliz. Consigo
chorar um pouco, mas ainda bem que tenho minhas lágrimas, porque elas aliviam a
tristeza.
(...)
É estranho pensar que em
situações assim é possível ter momentos de agradecimento. Ainda bem que eles
existem e que, por eles, eu posso olhar para o outro lado e ver algo de bom.
E mais do que tudo: ainda bem que
eu consigo falar sobre isso.
(...que outros fatos como esses não cruzem meu caminho, mas que eu continue
pensando dessa forma caso eles sejam inevitáveis)
Ribeirão Preto, 30 de agosto de 2013.