27 de jun. de 2019

TERREMOTO E GELO

Meu caro, minha cara,

Hoje pela manhã recebi um texto pelo whatsapp. Geralmente não leio esses textos enormes, com lições de moral e de vida. Mas esse foi diferente. Falava sobre um mar de "crianças" já adultas, criadas por pais presentes de corpo, mas não de coração.

A conclusão? A gente dá o que a gente tem, recebe dos outros o que os outros têm para dar e, se recebemos menos ou mais, se merecemos menos ou mais, isso não é uma questão de mérito ou necessidade.

Criação, educação, amizade, amor e afeto não são peças de Lego.

Muitas vezes só... não se encaixa.

A gente sempre acha um meio para compensar isso tudo.

Eu? Em meio a um chão instável e ao excesso de frieza, peço colo a um demônio.

Pois sei que ele sempre será quente e que o inferno é o último chão que se imagina aqui na terra.

Ribeirão Preto, 27 de junho de 2019.

22 de jun. de 2019

COISAS QUE NÃO ACONTECERAM

Meu caro, minha cara,

Ninguém abriu ou fechou portas para mim. Ninguém me esperava. Ninguém contou as horas. Não subi ou desci escadas. Não olhei para ninguém. Não reconheci ninguem. Não senti calor. Não toquei em nada e nem em ninguém. Ninguém veio ao meu encontro e não fui ao encontro de ninguém. Não senti frio. Não tirei dúvidas. Não falei nada. Não sorri. Não ri. Não ofeguei. Não fiquei sem expectativas. Não ouvi a campainha. Não cheguei a nenhuma conclusão. Não me despedi. Não falei oi. Não houveram reencontros. Não falei sobre o passado. Ou o futuro. Não troquei uma palavra. Não sentei. Não deitei. Não ouvi o cachorro latir. Não senti.

Ao invés disso...

Fiquei deitada, na sombra, coberta. Fazendo o de sempre, esperando o de sempre. Nos braços da segurança...

Ribeirão Preto, 22 de junho de 2019

Rachmaninoff - Prelúdio em C menor


19 de jun. de 2019

I Monster - Daydream in blue



"Eu estava escalando as paredes, porque eu quero você
Mas quando eu te alcancei, você desapareceu"

16 de jun. de 2019

Queen - Bohemian Rhapsody



"Beelzebuh tem um diabo reservado para mim"

NÃO SEI COMO NOMEIO ISSO...

Meu caro, minha cara,

Caio Fernando Abreu escreveu um conto belíssimo chamado "Os dragões não conhecem o paraíso".

(Vale a pena ler esse livro)

"Tenho um dragão que mora comigo", ele começa. Sabendo que é uma mentira que conta pra si próprio. Sabendo que nada nesse mundo o faria ficar, ou o atrair a seu apartamento com 100% de chance de dar certo.

Diga-se de passagem:, "os dragões não permanecem".

Ao final, ele arremata: "Que seja doce". Mesmo sabendo que será amargo e depressivo o final. Mesmo sabendo que é um ciclo de expectativa, gozo, desilusão e realidade. Mesmo assim, "que seja doce", ele arremata... Vive-se um dia de cada vez.

Pois bem. Não tenho um dragão. Tenho um kraken.

E... Sim. Ele mora comigo.

Se eu for resumir o que ele é, não teria qualquer dúvida quanto ao que vou dizer agora: pior animus da história.

(Vá estudar o que é animus...)

Não gosta de negociações, tampouco de indiretas ou ambiguidade. Preso, se rebela; solto, sai quebrando tudo. Sobra eu para pegar os cacos, pagar os prejuízos, calçar a cara e pedir "desculpas"...

O pior nessa história é que eu entendo ele. Ele é meu guarda costas, frentes, lados e avessos. É a voz que me diz que comer Mc Donald's é "de boas" porque ele sabe que gordura e carboidratos são gatilhos rápidos para a produção de serotonina...

E quem não curte uma serotonina no globo, né???

Eu tenho esse demônio, esse totem, esse estigma que não sei se pode (ou deve) ser estirpado, exorcizado, trocado...

...Sei que ele quer que a gente fique bem, mas tá difícil...

...Se tento ser fofa e simpática, dizendo "que seja doce", já recebo um "teu cú" em cima... "Não sou dragão, não vou te jogar historinhas!".

Não sei se sou grata por tanta franqueza assim.

Daí eu fico triste, ele se arrepende e me diz "desculpa, criaturinha, não fica assim... come uma batatinha... Eu deixo..."

...Eu só queria poder dizer "que seja doce" em paz, seguir o ciclo em paz, sem ninguém aparecendo com um sunday na minha frente...

Ribeirão Preto, 16 de junho de 2019

11 de jun. de 2019

ÓBVIO QUE NÃO...


Meu caro, minha cara,

O problema do amor próprio é que ninguém te informa que ele deveria existir.

Ninguém te explica.

Ninguém parece dar importância para a comunicação desse ponto na sua vida.

Não que não seja importância. Não é isso.

É que ele é tratado como uma coisa tão óbvia, mas tão óbvia, "natural" ao ser humano, que não nos damos o trabalho de pensar nele conscientemente.

Entende-se e espera-se que ele simplesmente surja na vida da pessoa conforme ela toma consciência de si própria. Como algo inato. Congênito. Geneticamente herdado.

Agora me diga uma coisa: que pessoa tem maturidade suficiente de entender como isso funciona ENQUANTO cresce?

Quanta besteira...

Ribeirão Preto, 11 de junho de 2019

7 de jun. de 2019

HOJE EU NÃO QUERO MÚSICA

Meu caro, minha cara,

Hoje eu não quero ouvir música. Assim como ontem, hoje eu quero silêncio.

Não quero ouvir as ideias e histórias dos outros. Não quero ter que interpretar letras para exprimir o que sinto.

Não quero me distrair com os universos dos outros - reais ou criados.

Hoje eu olho para meu umbigo e presto atenção no trânsito.

Sem música, consigo ver o cara sentado no banco, com a bicicleta ao lado e fones no ouvido, olhando para o sol como se isso não fosse queimar sua visão.

Olhando para o sol como quem só se esquenta e pensa.

Invejando o momento em que poderei só me esquentar, pensar no vazio e ser admirada de longe, como eu assim o fiz.

Invejando o momento em que poderei me esquentar não apenas com o sol, senti o mundo e ser admirada de perto, sem precisar fazer sentido para ninguém, nem para mim, como eu assim desejo.

Hoje, a única música que quero ouvir é um "sim".

Ribeirão Preto, 07 de junho de 2019.

5 de jun. de 2019

POR QUE DIABOS EU DEMOREI TANTO?


Meu caro, minha cara,

Meu primeiro contato com a terapia foi durante a faculdade. Hoje, quando comparo as questões que eu tinha na época com as que eu tenho agora, me pego pensando "nossa, mas que garota idiota..."

Mas tudo tem seu tempo...

Entre as pessoas que me atenderam, uma foi "especial": ela tinha um divã no consultório dela. Só que, durante meses, eu não me deitei lá.

Demorou mais de um ano para que ela me considerasse "pronta" para ir para o divã.

(Não vou explicar aqui o quão complexa é a figura de um divã na terapia)

Pois bem: chegou o dia. Começamos a sessão e ela me disse para eu ir para o divã.

Minha reação? Chorei. Chorei muito. Chorei convulsivamente.

Por que? Porque eu sabia que a minha relação com ela mudaria.

Quando, ao final da sessão, eu controlei meu medo e fui, me perguntava porque eu tinha ficado com tanto medo.

Hoje, me pego pensando as mesmas coisas. Hoje, tudo que eu queria é que pessoas específicas, em assuntos específicos, me dissessem "vem pro divã".

Ribeirão Preto, 05 de junho de 2019