31 de mai. de 2019

SEGUE O BAILE

É muito difícil e desconfortável querer falar sobre coisas, mas também ter medo de que elas sejam ouvidas pelos ouvidos errados.

A dualidade, nesses casos, só é "satisfeita" de forma muito primitiva, por intermédio do segredo ou do enigma.

Em um caso, o desejo deve ser dito a alguém em que se confia muito. No outro, deve ser dito a quem for minimamente inteligente e, mais ainda, aquele que é sensível o suficiente para identificar naquele "problema" as indicações de como ele deve ser lido de fato e, assim, "solucionado".

Nisso, a gente procura ser o "mestre dos disfarces", querendo não dar na cara, não dar bandeira, não dar a entender nada.

Tal como vasos de cristal que pensam que podem esconder seu interior apenas embaçando sua superfície.

Ribeirão Preto, 31 de maio de 2019

21 de mai. de 2019

INSTRUMENTO DE CORDAS

Meu caro, minha cara,

Não sei tocar nada. Só fiz seis meses de piano e não consegui voltar para as aulas até então. Gosto de música, mas ainda há mais culpa do que determinação para me dedicar a ela.

Com isso, de "contento" em apenas ouvir.

A música em si não é o que me atrai. É a forma como nosso corpo se encontra com o instrumento para produzir algo além do corpo de um e de outro.

Fico imaginando o quanto um instrumento (principalmente os de corda) deve se sentir sozinho sem a vibração causada por um toque.

E o quando as cordas podem ser transformadas em arramas com nós cegos que, para se desembaraçarem, precisam ser cortados e substituídos.

Como gostaria de vibrar cordas...

Ribeirão Preto, 21 de maio de 2019.

17 de mai. de 2019

O EXERCÍCIO DA NORMALIDADE

Meu caro, minha cara,

Assim como todas as coisas, a normalidade é um exercício diário.

Muito se escreve e se lê sobre ela. Ou melhor: sobre como se livrar dela.

Sobre como nós olharemos no espelho e veremos A Verdade (com artigo e substantivo em maiúsculo, só para dar mais drama).

Sobre como seremos mais sábios depois disso... A sapiência que não nos tornará mais únicos, mas mais que todos. Mais que apenas "nós".

Mentiras...

O convívio com o ordinário (aquilo que se faz presente a todo instante, aquilo que é da ordem do normal, do comum)... Eis o terror...

A normalidade é um espelho que ninguém quer olhar...

Ribeirão Preto, 17 de maio de 2019



16 de mai. de 2019

A HEROÍNA DA MINHA VIDA

Meu caro, minha cara,

Ahhhhhhhhhh!!!!!!! Que título mais clichê! Quem, logo de cara, já não acha que a conclusão típica de um texto assim seria que "eu devo ser a heroína de mim mesma"...

(A entonação da voz numa frase assim é a mesma que a Xuxa costumava usar para falar "Acredite nos seus sonhos!")

Mas, mesmo assim, heroínas me encantam. Não por serem só heroínas. Mas porque sempre tinha seu herói correspondente.

Delas, cito três: Scarlett O'hara, Elisabeth Bennett e Catarina. Desde que as conheci, pago pau pra elas.

Scarlett me ajudou em tempos difíceis: tempos em que dizer "Jamais sentirei fome novamente" fazia sentido. Fome de afeto, de confiança, de segurança, de dinheiro, de auto estima e de iniciativa.

Elisabeth é inteligente. E valente (ou topetuda, vai saber). Qualidades que admiro, não importa o gênero.

Catarina, de "A Megera Domada", de Shakespeare, é a que mais me intriga e encanta. Seu super poder é... ter sido domada. Abriu a segurança do seu mundo, seu ego, seu status, por amor. E se lambuzou nisso.

(Convenhamos: se lambuzar é ó-te-mo!)

Dos heróis, só cito um: Petruchio...

E vá ler a peça para saber porque!

Ribeirão Preto, 15 de maio de 2019.

7 de mai. de 2019

INCRÍVEL IMAGINAÇÃO

Meu caro, minha cara,

Tempos atrás eu vi uma pequena palestra sobre finanças pessoais. Nela, a palestrante dizia como fazer para quebrar o ciclo de esbanjamento financeiro e começar outro, de planejamento.

Em uma das dicas dadas, ela falou: "faça um pacto com o seu eu do futuro". Para ela, esse "eu do futuro" tem tudo aquilo que a gente quer hoje, no presente. Então, esse "pacto" seriam concessões no presente para materializar esse "eu futuro".

De certa forma, havia aprendido isso no passado, quando meti os pés pelas mãos pela terceira vez na minha vida e tive que dispor de algo muito significativo para mim naquela época, em busca da sobriedade. Mas sei que aquilo não foi um pacto com o meu "eu do futuro". Foi sobrevivência e vergonha na cara.

Entretanto, depois daquela palestra, não há um dia que eu não passe imaginando de fato sobre essa "pessoa maravilhosa" que serei um dia.

Alguém que será mais saudável. Que conseguirá perder os quilos obtidos depois da cirurgia. Que terá unhas bem feitas. Que terá costas sem manchas. Que andará de salto sem se cansar, com um impecável senso estético. Que conseguirá ligar a tecla "foda-se" nos momentos oportunos. Que será admirada por conquistas na carreira e por sua postura profissional (por conhecidos e desconhecidos). Que realmente não terá mais dúvidas sobre ter filhos (ou melhor, não tê-los). Que lidará bem com grilhões psicológicos cunhados ao longo da própria criação. Que fará coisas admiráveis e encantadoras. Que será mais do que si mesma. Que será satisfeita com a própria vida.

Mas esta não sou eu. Ela é só um projeto futuro e, como todos sabemos, o futuro é sempre amanhã - nunca hoje.

Não... ela não é um projeto futuro... ela é uma desculpa presente, um aterro de possibilidades, uma nota promissória que nunca será paga, pois imaginação se paga com mais imaginação.

Ela é tudo o que eu preciso matar.

Ribeirão Preto, 07 de maio de 2019.