5 de mai. de 2024

O OVO DE MADEIRA

 Meu caro, minha cara,

Eu acho que foi a minha avó paterna que me mostrou pela primeira vez. E também acho que era uma coisa da minha bisavó, assim como a Pretinha (uma tesoura velha e preta que ela tinha).

Era um ovo de madeira maciça, parte integrante de um jogo de costura feito por minha bisavó com crochê, fuxico e um pote velho de margarina.

Esse pote era antológico lá em casa; por dentro ficavam diferentes linhas coloridas e por fora, na tampa, tinha a almofadinha de fuxico onde as agulhas ficavam espetadas.

O ovo não tinha lugar no pote, mas ficava ao lado dele, dentro do guarda-roupas da minha avó, junto com a Pretinha.


Aquele ovo, para mim, era mágico. Não me pergunte porque: magia não se explica.


Se você, meu caro e minha cara, não sabe porque raios um ovo de madeira é parte de um kit de costura, eu explico.

Esse ovo é usado como base de apoio para remendar tecidos, ao mesmo tempo em que protege seus dedos: você envolve o ovo de madeira com a parte do tecido que está danificada e remenda o rasgo ou buraco amparado nele. Se a agulha escapar, ele vai atingir o ovo, não seus dedos.


O tempo passou e minha vó morreu. Cinco anos depois, meus pais morreram. Já falei sobre isso lá atrás e não vou me delongar aqui.


Na partilha dos bens, meu irmão deu a diretriz: "Eu acho que a gente deve preservar as músicas, os quadros, as fotos, os filmes e livros deles. O resto, eu não tô nem aí."

Achei coerente. Ele falou o que eu pensava.

Então lá fomos nós (minha cunhada e eu) separar as coisas dos meus pais: o que seriam vendidos com a chácara, o que doaríamos, o que ficaria pra gente, o que seria jogado fora.

E, no meio disso tudo, aparece o ovo de madeira e a Pretinha (não sei o que foi feito do pote).

Meu olho cresceu, queria os dois de qualquer jeito.

Bom que meu irmão nem deu trela pra isso. O ovo ficou para mim.


E por que eu resolvi falar do raio desse ovo justo agora?


Porque eu o usei hoje e me dei conta que ele é algo simples e efetivo quando o assunto é coser. Acho que foi essa simplicidade que me cativou.

A forma como ele me ajuda num problema quando remendo uma bermuda, um lençol ou uma meia é tão... singela... e tão genial ao mesmo tempo.

Requer apenas que você tenha o mínimo de coordenação motora fina. Facilita o serviço e protege contra agulhadas involuntárias (um verdadeiro EPI).


Uma solução elegante para algo tão trivial.


Fico pensando quantas outras soluções como essa estão por aí no mundo, prontas para serem convertidas em algo concreto, palpável, usável.

Pois quando escuto pessoas falando em "soluções", essa palavra sempre vem acompanhada do adjetivo "inovadoras". Virou um clichê tão chato... E me faz questionar se é realmente uma "solução" ou se é só "mais-do-mesmo-gourmet".


(...)


Na próxima semana, começarei um novo desafio de trabalho. Não sei bem o que me espera e sinceramente temo que me peçam "soluções inovadoras" para os problemas que eu sei que existem.

Pois quando penso em problemas e soluções, eu só consigo pensar no ovo de madeira - e como as coisas deveriam se parecer mais como ele.


Ribeirão Preto, 05 de maio de 2024