12 de mar. de 2012

O ‘PRIMEIRO’ ESBOÇO

Meu caro, minha cara,

            Eu creio que seja um fato ter vários ensaios para, só então, se ter um começo. Estou percebendo isso - entre outras coisas - com os textos que eu escrevo. Assim que começo a digitar, me vêm à mente aquela insegurança de não fazer algo bom, e logo a idéia é “abandonada” para dar lugar à outra, mais factível naquele momento.
            Como eu gosto muito de citações, procuro publicar uma por dia aqui no blog (quem já está se acostumando a visitar esta página já deve ter percebido isso). Uma delas, de Hemingway, me tocou muito fundo, por ser muito verdadeira: “O primeiro esboço de qualquer coisa é sempre uma porcaria”. Quem há de discordar?
            Hemingway era escritor (para os que não sabem), e ganhou o prêmio Nobel de Literatura com o livro “O Velho e o Mar”. É um livro pequeno (menos de 100 páginas), com uma história simples (um velho pescador   que consegue, sozinho, pescar um peixe enorme em alto mar). Para os desavisados, isso não seria motivo para se ganhar um prêmio tão importante. Mas quem o lê, percebe na hora porque chamou a atenção: é uma história extremamente sincera.
            Duvido que ele tenha escrito milhares de rascunhos antes de escrever este livro. Não. Errado: permita que eu me corrija: duvido que ele tenha gastado muito papel rascunhando este livro até começá-lo (opinião minha, certo?). A meu ver, o rascunho resultou em outros textos, outras ações, outras histórias anteriores a esta.
            “O Velho e o Mar” não foi o primeiro livro de Hemingway. Nem foi escrito no primeiro país em que morou, tampouco com a compreensão da primeira esposa que teve ou feito nos primeiros anos em que começou a escrever. Foi escrito quando estava velho e com o coração cheio daquela plenitude que só as pessoas mais maduras têm dentro de si. Lembro que plenitude não quer dizer paz, pois é característica de quem é inteiro. E, para ser inteiro, é necessário incluir a dúvida, o fracasso e a tristeza no dia-a-dia. Mas não sejamos tão pessimistas! Há também espaço para a alegria, o sorriso, o gozo e as brincadeiras. Andam todos juntos, a Sorte e o Revés. Dar conta disso é ter uma consciência mais plena do que ocorre na própria vida.
            Então, meu caro e minha cara, eu sinto que alguém só conseguiria escrever algo como aquela história quando se está pleno. E, quando se está pleno, é que a sinceridade aflora.
            No dicionário (e lá vamos nós novamente ao dicionário...) sincero é aquele/aquilo que “exprime só o que pensa e sente”. Vamos combinar uma coisa: é preciso estar muito consciente das consequências para ser sincero, porque, para sê-lo, é obrigatório se expor. E muito consciente de si próprio para fazer esta exposição de maneira coerente e pautada. Não sendo assim, corre-se o risco de ser estúpido e incongruente.
Da mesma forma que já esboçamos alguma coisa no papel, aposto que não há pessoa neste mundo que já não tenha rascunhado a própria vida. E, como dizia o Ernest, “o primeiro esboço (...) é sempre uma porcaria”. Qual de nós poderá dizer que não fez besteira? “Se eu pudesse voltar no tempo...” é o começo mais popular dos desejos de se ter uma folha em branco, novinha, sem vincos ou rabiscos. Quanta coisa deixaria de existir se não fosse a conjunção fatal entre o rascunho posto em prática e a ação do Tempo (que nunca volta)?
Contudo, quem tem este privilégio?
(Privilégio?)
Quantas lições deixariam de serem aprendidas com tudo isso? Quantas experiências e histórias deixariam de ser vivenciadas e contadas se aquelas palavras fatídicas tivessem algum poder? Estes esboços de vida e de atitudes nos livram da prisão das opiniões convictas e nos levam a campo - campo da experiência.
Eu acredito piamente que tudo o que fazemos são pontes que nos trouxeram até onde estamos agora. O problema é que, depois de atravessadas, essas pontes se quebram... Não dá para voltar atrás... Para o bem ou para o mal, é isso o que acontece. Logo, xingar o próprio caminho é xingar a si próprio.
Escrever aqui é uma forma de retratação pelos erros que cometi e cometerei. Também é um meio de eu registrar o meu desenvolvimento e minha maturação. Vai demorar um tempo até eu pousar minha cabeça no travesseiro e sonhar com leões. Mas, se eu não começar a praticar minha sinceridade - e ir atrás das bases da minha plenitude - eu nunca viverei do jeito que imaginei. Por isso, prefiro começar os esboços agora. Sei que eles serão ridículos amanhã. Mas são sinceros hoje. E o que é sincero, é tocante.
(mais uma ponte se quebra...)

Ribeirão Preto, 12 de março de 2012.

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