17 de abr. de 2012

UM PONTO MEIO GASTO

Meu caro, minha cara,

Já perdi a conta das vezes que eu comecei a escrever e parei no meio do caminho sobre este assunto. Ou nem no meio... No começo mesmo. Confesso que isso já está me irritando, pois eu fico questionando se a minha capacidade de escrever me abandonou.
Contudo, se estou aqui, é porque consigo e, se eu consigo, é melhor eu ir em frente.
De todos os assuntos que mais me arrebata o espírito, há um que mais me chama atenção agora: o começo.
“Começo de que?”, pergunta o curioso.
Quando alguém pensa em começo¸ a imagem que se tem é do ponto zero. Não há nada para trás. Não há passado, não há história, não há explicações. A melhor imagem para representar isso tudo é a folha de papel em branco. Ou um caderno em branco. Assim como papel, a vida, a história, começaria daquele ponto, sem prefácios e, assim como o papel, o que fosse escrito ou feito seria aceito.
Se pensarmos um pouco, vamos ver que isso não é verdade.
Veja o nosso nascimento: seria o nosso ponto de partida oficial neste mundo, correto? Mas antes disso vieram nossos pais - e suas histórias de vida. Somos um capítulo (ou um volume) na história deles. Quer um exemplo? Quando eu nasci, fui consagrada a Santa Maria Goretti. Ela virou santa porque aceitou o martírio de morrer, aos 11 anos, esfaqueada ao invés de aceitar ser violentada - e viver. Por que consagrar uma menina a uma santa que preferiu morrer a se entregar? Sei que pode parecer heresia o que estou dizendo, mas não me importo com a questão religiosa aqui. Eu me importo com o como isso influenciou o meu “ponto de partida”.
            Por que a imagem desta santa é de uma mulher adulta quando, na verdade, a história se passou com uma criança? Deve ser porque tem a ver com a questão de ser virtuosa no período em que as tentações se fazem conhecidas e, por isso, a resistência até as últimas consequências. Qual tipo de resistência? Aos pecados da carne? Aos pecados em geral? Se for assim, não deu certo, porque eu cometo o pecado da Preguiça. Cometo este pecado mais do que o pecado da carne. Luxuria não é meu forte...
Acho importante falar um pouco sobre isso: não fui criada para ser do tipo que casa. Melhor ainda: não fui criada para ser do tipo que se envolve em relacionamentos amorosos e duradouros. Mais-melhor-de-bão-ainda: não fui criada para ser do tipo que se envolve em qualquer tipo de relacionamento, nem mesmo os fugazes. Eu não fui criada para isso. Lembro que, desde pequena, eu ouvia meus pais dizerem que, para ter sucesso na vida, era necessário estudar muito e, depois, trabalhar muito. Alguém notou que em nenhum momento me disseram que nesta concepção de sucesso havia a idéia de “casamento”? Pois bem: não tinha mesmo.
Só aos 30 anos é que comecei a pensar no assunto: “seria bom ter alguém”, penso aqui comigo. “Seria bom ter um companheiro”. Talvez ser capaz de ter alguém especial, que aceite ter esse papel, também seja mostra de sucesso. Essa idéia veio meio tarde, eu sei, mas antes tarde do que nunca.
Observe que eu só falei de um ponto da minha vida. Não só de amores vivem as minhas dúvidas. Questões de amizade, carreira, espírito, conhecimento, patrimônio, legado, futuro também me assombram. Ora! Estou com 30 anos! Por que estas dúvidas não me acometeriam?
E aí é que a porca torce o rabo... Como é que você começa a pensar coisas diferentes na sua trajetória de vida quando, na verdade, você já começou a sua vida?
Confesse, meu caro e minha cara: quando é que ensinam pra gente que a vida tem recomeços? Em lugar algum! Tudo o que nos passam é uma sequência de fatos que devem acontecer em cadeia, correto? E quando a cadeia é quebrada, o que fazer?
Bom, na imaginação de muitos, uma interrupção assim só acontece com algum fato crítico: um desastre natural, a morte de alguém, coisas do gênero. Daí fica a pergunta: e quando não acontece nada drástico? Quando, simplesmente, paramos, olhamos, analisamos e decidimos que o melhor é mudar, o que fazer?
Tem gente que não entende. Acha que, se as coisas vão bem (ou simplesmente “vão indo”), não há motivo para achar que devem seguir outro rumo. É como se as decisões só pudessem ser tomadas se houvesse algo errado, e não algo a melhorar... Fui clara?
Hoje eu procuro ver como eu fui educada - ou: de onde colocaram o meu ponto de partida.
Sartre dizia algo a respeito disso: “Não importa o que fizeram de nós, mas o que nós fazemos com o que fizeram de nós”. Isso é forte, pois puxa para a terra as aspirações que a pessoa tem. Nietzsche dizia que “conquistar o direito a novos valores é a tarefa mais terrível ao espírito dócil e respeitoso”. Pensamentos desse tipo não nos são transmitidos na escola, não são praticados em nossas casas. Quando o plano inicial, recheado de expectativas alheias (e depois próprias) não dá certo, toma de assalto o pânico. “Onde foi que eu errei, que quem é a culpa”, se perguntam.
Sinceramente? Ainda me pergunto por que é que tem que ter algo de errado para se querer mudar...
Eu fico aqui, no meu canto, vendo quanta coisa eu gostaria que fosse diferente na minha vida, no meu jeito de agir e de encarar as coisas. A gente aprende a ser do jeito que é, e agora vejo que é hora de aprender a ser de um jeito diferente. “Conquistar o direito a novos valores é a tarefa mais TERRÍVEL”...
É uma tarefa terrível, sim.
Terrível porque requer esforço (lembram da Preguiça?). Pior que isso: requer percepção, orientação, observação e muita, mas muita humildade. E eu me pergunto se sou tão humilde assim, às vezes. Tem horas que eu repondo que “não, não sou”. Para o bem e para o mal, às vezes eu respondo “não”.
(mas tem dias que eu falo “sim”; logo, ainda resta uma esperança)

Pego o meu ponto - de início, de vista, final, de apoio - e enfio debaixo do braço. Vamos lá, meu pontinho... Vamos em frente. Não há o que discutir sobre isso. Apenas que, hoje, o meu ponto de partida anda meio desgastado...

(Ribeirão Preto, 17 de abril de 2012)

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