Meu caro, minha cara,
Informo
aos meus caros que alguém morreu. Nada mais resta a fazer para que o quadro
seja revertido.
Pranteie
o que tiver que ser pranteado. Lamente o que houver de ser lamentado. Conte
boas histórias deste defunto. Digam que era uma boa pessoa, que tinha esperança
no futuro, que sofreu duros golpes da vida. Lembre-se de episódios engraçados e
de causos que se tornarão futuras piadas. Silenciem-se após as risadas
cessarem. Olhem-se nos olhos, sacudam a cabeça enquanto suspiram vagarosamente.
Deixem
o recinto de forma respeitosa.
Guardem
o obituário que fora publicado. Aquela tirinha é reveladora:
“Na última
quarta feira aquela pessoa deixou de existir. Nasceu, cresceu, brincou, fez
amigos, brigou muito com o irmão, desobedeceu aos pais, mudou de cidade, passou
pela adolescência, passou por apuros, fez mais amigos, viu mais verdades,
morreu para muitas coisas, viveu para outras.
Enganou-se.
Insistiu no erro. Deu passos maiores que as próprias pernas. Quebrou a cara
várias vezes e morreu para todas essas coisas. Viveu para outras.
Levou
adiante os planos que tinha. Mudou de planos. Errou mais um pouco. Perdeu
amigos. Reviu as verdades. Inspirou-se. Decidiu morrer aos pouquinhos. Teve fé
no futuro, e por isso viveu novamente.
Desiludiu-se.
Pensou por muito tempo. Tirou os planos do papel. Acreditou em coisas que não
deveria. Tapou o sol com uma peneira. Fez escolhas. Abandonou coisas
importantes. Abandonou supérfluos. Ficou com muito pouco. Sorriu várias vezes,
abraçou várias vezes, reclamou várias vezes. Amou pouco. Amou muito, mas de
maneira fraternal. Continuou esperando o príncipe encantado e morreu esperando.
Viveu para presenciar outros dias.
Decidiu
virar egoísta. Fascista. Companheira. Sarcástica. Doce. Indefesa. Indecisa.
Segura. Sem noção. Decidiu recuar alguns passos, ter sonhos convencionais - mas
possíveis. Decidiu largar coisas nas coisas dos outros; ou apenas devolver
coisas para os outros. Morreu para a compaixão gratuita. Vive agora de
prestações emocionais e infindáveis.
Eis que
o velório e enterro ainda não foram agendados pelos amigos e familiares. A data
será fornecida pelo próprio corpo, quando decidir voltar a viver para contar
novas histórias”.
Que isto se repita por muitas e
muitas vezes, meus caros, pois assim beberemos aos mortos e saudaremos aos
vivos por vezes a fio. Mortes honrosas e nascimentos prósperos. É apenas o que
desejo no momento.
Ribeirão Preto, 09 de novembro de 2012.
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