5 de abr. de 2019

TOCO

Meu caro, minha cara,

(demoro para encontrar as palavras certas. Aquelas que vão expressar com fidelidade o que me perturba. Não que eu não tenha vocabulário; falta coragem para me expor. Eis o desafio: revelar o que penso sem me expor... Impossível, não?)

Nos desenhos animados do passado, eu via muitos que falavam sobre circo. Neles, sempre havia um elefante imenso preso a um toco de madeira, atado a uma corda de laço frouxo. Quando via isso, eu me perguntava "por que o elefante não sai dali? é só um toco!". Mas não fazia a pergunta em voz alta. Então, ficava sem respostas...
Depois de muito tempo, descobri como isso era possível: quando um elefante nasce e decidiram que ele seria domesticado para ajudar em algum tipo de atividade humana (transporte, colheita, entretenimento) ele é atado, ainda bebê, a um tronco de árvore imenso, muito mais pesado que ele. O elefantinho tenta se desvencilhar do tronco, mas não consegue: ele só consegue andar até o limite da corda ou corrente que lhe prenderam.
Com o passar do tempo, o elefantinho perde as esperanças de fugir. Associa o tronco e a corda/corrente ao limite de sua liberdade. Ao crescer, cresce sua convicção de impotência. Não é mais necessário encontrar um tronco maior. Não é mais necessário correntes mais fortes. A prisão foi introjetada no comportamento do animal.
O toco venceu.

(...)

Imagens assim não precisam de tradução. Elas falam por si só. Não há necessidade de falar que nós, seres pensantes, "raciocinantes" somos, antes de tudo, animais. Que a natureza humana é acolhedora e cruel ao mesmo tempo. Que somos o receptáculo da esperança de melhores ações para o futuro de gente que não vê mais futuro em si. Que somos atados a elas como troncos muito, muito pesados...
É necessário fazer essas alusões?
Confesso que hoje as minhas perguntas mudaram e o desafio é dizê-las em voz alta. Pelo medo. Pela falta de acalanto. Pela falta de confiança (em mim e em quem veio antes de mim).

(...)

Até o momento o toco de madeira vence.
E estou farta de dizer "até o momento" em cada frase...

Ribeirão Preto, 05 de abril de 2019.

Nenhum comentário:

Postar um comentário