Meu caro, minha cara.
Saio do trabalho com o sol se pondo.
Adoro o outono por causa do céu: ele é quente e tem as cores muito, mas muito saturadas.
Dessa vez, não foi diferente: céu perfeito de fim de dia, vermelho e rosa e laranja e azul e roxo, um céu macio que, se pudesse, vestiria a gente, cobriria o corpo com suavidade sem fim.
Agora, o céu está no meu retrovisor. Paro de prestar atenção nele e passo a olhar nos outros motoristas.
Céus... compraram a carteira, só pode: festival de motoqueiros impacientes, que entram na contramão só para ganhar mais três metros de rua. Os carros não ficam atrás. Ou andam no meio da rua, ou cortam a sua frente para andar em segunda.
Eis-me lá, praticando a paciência que não tenho.
Olho mais uma vez no retrovisor e vejo um vulto. O vulto vira uma bicicleta. Nela, um pai leva seu filho para casa. Bicicleta, bermuda, chinelo, cadeirinha, 10 milhões de cintos de segurança, mochilinha e duas perninhas gordinhas balançando, sacudidas pelo asfalto irregular.
O pai toma fôlego e atravessa a rua, dosando as pedaladas para evoluir no caminho sem se meter na frente de algum carro.
O rosto do menininho, que não tem nem um ano de idade, era só curiosidade por um mundo que ainda nao entende. O rosto do pai, era de esforço e fé.
Aquela fé de se fazer o que é certo e de saber que há bons frutos no futuro.
Aquele amor saturado de mais amor. O amor e a esperança que abraçam e aquecem sem tocar.
O semblante esculpido outono após outono, que espera o prolongamento de si com alegria modesta e paciência.
Amor com panturrilhas torneadas e orgulho daquelas perninhas.
Amor macio.
Amor seda...
Ribeirão Preto, 22 de junho de 2022
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