22 de jun. de 2022

CÉU SEDA

 Meu caro, minha cara.


Saio do trabalho com o sol se pondo.


Adoro o outono por causa do céu: ele é quente e tem as cores muito, mas muito saturadas.


Dessa vez, não foi diferente: céu perfeito de fim de dia, vermelho e rosa e laranja e azul e roxo, um céu macio que, se pudesse, vestiria a gente, cobriria o corpo com suavidade sem fim.


Agora, o céu está no meu retrovisor. Paro de prestar atenção nele e passo a olhar nos outros motoristas.


Céus... compraram a carteira, só pode: festival de motoqueiros impacientes, que entram na contramão só para ganhar mais três metros de rua. Os carros não ficam atrás. Ou andam no meio da rua, ou cortam a sua frente para andar em segunda. 


Eis-me lá, praticando a paciência que não tenho.


Olho mais uma vez no retrovisor e vejo um vulto. O vulto vira uma bicicleta. Nela, um pai leva seu filho para casa. Bicicleta, bermuda, chinelo, cadeirinha, 10 milhões de cintos de segurança, mochilinha e duas perninhas gordinhas balançando, sacudidas pelo asfalto irregular.


O pai toma fôlego e atravessa a rua, dosando as pedaladas para evoluir no caminho sem se meter na frente de algum carro. 


O rosto do menininho, que não tem nem um ano de idade, era só curiosidade por um mundo que ainda nao entende. O rosto do pai, era de esforço e fé. 


Aquela fé de se fazer o que é certo e de saber que há bons frutos no futuro.


Aquele amor saturado de mais amor. O amor e a esperança que abraçam e aquecem sem tocar. 


O semblante esculpido outono após outono, que espera o prolongamento de si com alegria modesta e paciência.


Amor com panturrilhas torneadas e orgulho daquelas perninhas.


Amor macio.


Amor seda...


Ribeirão Preto, 22 de junho de 2022




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