2 de fev. de 2012

CAÍ NA BESTEIRA DE LER NIETZSCHE

Caí na besteira de ler Nietzsche. Para piorar, fiz isso mais de uma vez.

E não foi nenhum arroubo de intelectualice. Levei o negócio a sério: caneta na mão, grifa-texto, régua para acompanhar a leitura, ler em voz alta para ver se algo entrava na cabeça - ou melhor, se algo entendível entrava na cabeça. Fiz até anotações no rodapé das páginas. Rabisquei TU-DO!
Confesso que cheguei aos opostos: fiquei satisfeita e frustrada comigo mesma. Satisfeita porque consegui ler um livro inteiro. Todinho. Ah! De que livro eu estou falando? O livro em questão é “Para a Genealogia da Moral” e essa foi uma indicação do Álvaro. Achei-me super inteligente, não pelo fato de ter lido um livro que meu ex-orientador leu e indicou, mas porque terminei a leitura, mesmo não admitindo que a edição que li não tinha mais de cem páginas e pelo menos umas trinta falavam sobre biografia do autor, outros livros que o autor escreveu, coisas que o tradutor achou sobre o livro, coisas que o Fulano-de-Tal achou que falou sobre o livro etc.
Mas como nada é 100% eu também fiquei frustrada comigo porque ainda não terminei de ler o outro livro. O motivo? Tenho medo do “Zaratustra”.
A forma como esse outro livro chegou até mim foi mais... singular. Estava no metrô e vi uma série de máquinas de vender coisinhas: chocolate, refrigerante, livro, salgadinho, cerveja... Fui até a máquina do livro e vi os títulos: “Como ser mais feliz, mesmo sendo você quem é”, “Como perder 10 Kg em 2 horas”, “Assim falava Zaratustra”, “O Primo Basílio”, “Receitas de liquidificador”. Coloquei uma nota de R$ 5,00 na máquina de livro e escolhi o “Zaratustra”. Me ferrei. Se eu tivesse escolhido “Receitas de liquidificador” não sentiria tanto medo.
Mas o caso é que eu peguei o “Zaratustra” e nunca pensei que pudesse ter tanto medo de um livro. Acho que ainda não cheguei à página 60. Também nunca pensei que pudesse levar a sério a expressão “doses homeopáticas”. Para mim tudo sempre foi muito alopático. Tento ler esse cara em doses homeopáticas, não em doses cavalares, como qualquer pessoa ávida por pseudoconhecimento faria. Tentei fazer isso uma vez, mas não consegui chegar ao final da quinta página seguida. Impossível. Se alguém diz que lê mais de seis páginas de “Zaratustra”, por dia e diz que entendeu está mentindo. Ninguém consegue.
Correção. Acho que meu raciocínio não foi completo: ninguém normal, pois para conseguir tal façanha tem que ser anormal mesmo.
Das vezes que me aproximei daquele livro (não o indicado, o da maquininha) tive meu cérebro entortado só de tocar na capa. Verdade! Minha cabeça se entortava um pouco para a direita, um pouco para baixo, e lá ia eu fechar o livro para ver se o cérebro desentortava de novo. Em vão: cabeça torta, olhar torto, pensamento torto.
Mas tudo bem! O mais importante disso tudo é que li um livro do Nietzsche! Eu consegui! E o melhor: eu li e entendi! Parabéns para mim; ganhei mais uma estrela dourada no caderno. Agora é só dar um pé na bunda da ovelha, não dever mais nada para mim e parar de pensar que quem ri por último ri melhor. Se você não entendeu o que eu disse, leia o livro. Livros foram feitos para serem lidos. Lidos e interpretados, e interpretação isenta é algo que não posso dar, ainda mais em casos de livros como esses.
E não se importe com o nó no cérebro que eles irão lhe causar. Se quiser moleza, vá ler Paulo Coelho.

Dizem que Nietzsche é o filósofo que grita a vida. Mas não aquela vida em que todos usam branco e ficam correndo como uns desvairados, sorridentes, por campos verdejantes, um sol que nunca para de brilhar e peles que nunca precisarão de um protetor solar. Não. Isso é a vida vendida em comerciais de pasta de dente, empreendimento imobiliário e laxante. A vida que esse cara “vendeu” para mim é bem menos cenográfica, mais crua e simplesmente complicada (ou complicadamente simples... esqueça! Já não falo mais coisa com coisa).
Pois bem: dizem que Nietzsche é o filósofo que grita a vida - e o termo é esse: grita - e que vida é usufruir o direito à possibilidade. É dar um passo para além da cortina, para além do “não” sem réplica, do medo do (fazer) diferente, do “por que” sem resposta. Difícil, não?  Bota difícil nisso... E na prática, ainda estou quebrando a cabeça para ver como que eu faço para dar um pé na bunda da ovelha...
Sempre me disseram que, para Nietzsche, viver “feliz” é viver na íntegra, viver “de verdade”, mesmo quando há o infortúnio, a tristeza e o acaso. É saber que essas coisas existem e nem por isso achar que tudo está perdido. Resolvi ler seus livros, só para conferir. Li pensando em buscar a felicidade do sorriso das pasta de dente e acabei ficando triste! Triste por começar a pensar em mim como alguém aprisionado, como alguém domesticado, como um produto acabado, com forma definida. Triste por não ter um sorriso de pasta de dente... mas estranhamente feliz por ter me deparado com isso (mas não o suficiente para sair do meu atual estado depressivo).
Mas falando sério (como se antes eu já não o estivesse fazendo), li Nietzsche e aprendi a escrever corretamente o nome dele sem precisar de uma cola. Já é um avanço. Li Nietzsche e vi que o cara dá nó no meu cérebro. Dá nó no meu cérebro porque ele diz para eu fazer o contrário de tudo o que falaram para eu fazer até hoje. Li Nietzsche e notei que os conceitos de Liberdade (com letra maiúscula mesmo), Felicidade, Sabedoria e Força não são bem aqueles que sempre ensinaram para mim. Força não é se impor aos outros; Felicidade não é rir à toa num eterno Prozac, Sabedoria não é imitar o Buda na posição de lótus - nada contra o Buda, não ponha palavras na minha boca - Liberdade não é ficar correndo sem parar, sem rumo. Não sei o que é. Só sei que NÃO é isso.
Lembro a primeira vez que ouvi esse nome. Foi durante a faculdade e saiu da boca de um povaréu que fazia cara de inteligente. Fiquei morrendo de inveja daquelas caras. Depois de cinco anos de convivência continuei vendo as mesmas caras de inteligente, mas aí eu já sabia que só eram as caras mesmo. Pelo menos para mim era só isso. É difícil acreditar em alguém que não demonstre ter substância. Acho que esse foi um dos motivos de eu não querer chegar perto de qualquer escrito dele durante alguns anos.
Mas, depois de tanto tempo, resolvi mudar de idéia.
Li Nietzsche e fui me olhar no espelho. Vi a cara de sempre com um item a mais: um ponto de interrogação. Não consegui fazer aquela cara de inteligente do povaréu que conheci na faculdade. Pelo contrário: fiz uma cara de “não-sei-se-entendi-direito”... No final das contas, acho que foi até melhor assim: para que querer para mim um rosto que não me representa, uma expressão que não me satisfaz?
Sempre tive muito cuidado, não com o que eu lia, mas com aquilo que eu entendia. Sempre me preocupei se eu havia entendido o texto direito. Ler Nietzsche me deixou com a dupla sensação de que cumpri e fracassei no meu intento. Por exemplo: entendi que há muito mais no mundo do que os espelhos que colocam na minha frente. Mas e a (falta de) coragem para desviar o olhar deles? Alguém explica???
Ler Nietzsche me ajudou a enxergar a minha impotência perante as coisas que estão ao meu redor ao agir do jeito de sempre. Deixou-me de tal maneira que não tive outra escolha senão começar a escrever. Escrever foi o modo que eu arranjei para começar a pagar a dívida que tenho comigo mesma. Dívida perpétua; herança das minhas escolhas e de meu aprendizado.
Ao ler Nietzsche tive a impressão de ter recebido uma tarefa. Uma tarefa única. E uma tarefa estipulada por mim, estimulada por ele e por todo o meu mundo. Sempre fui ótima aluna - aprendi a balir com perfeição - porém agora é chegada a hora de ser professora de mim mesma. Para tanto, é mister que eu experimente o mundo para depois ensiná-lo a mim, que eu observe o mundo para depois descrevê-lo a mim. Ser MINHA aluna e MINHA tutora. Procurar ser sábia sem saber ao certo o que isso significa e se estou tendo êxito. Rir e gozar e falar e tocar e brigar e cansar e escrever e olhar e aquietar e acordar. E achar incrível como frases tão bonitas podem despertar sentimentos tão pavorosos.

Caí na besteira de ler Nietzsche. Para piorar, vou fazer isso mais algumas vezes. Com ele, abri minha cabeça e expus meu cérebro aos seus próprios ventos para que pudesse navegar mais à vontade. Olhei-me no espelho e vi o que está ao meu redor.
Sinto ainda o medo batendo em meu peito como uma lufada de mar em câmera lenta, mas nada que minhas mãos não possam suportar com o treino diário.
Li Nietzsche, fechei os olhos e respirei muito devagar. Isso não acontece todos os dias.

Mococa, 21 de junho de 2008.

13 comentários:

  1. Eu não sei o que dizer sobre este texto...Eu sou fascinada por Nietzsche e muito do que está aí é a pura verdade do que sente ao ler seus livros,eu ainda estou "engatinhando" nas ideias dele e já me sinto outra!

    ResponderExcluir
  2. Acredito que não dá para ler Nietzsche como se lê um romance. Até hoje não consegui ler o "Zaratustra" inteiro, para se ter uma noção do quanto eu considero essa leitura densa. Os outros livros dele, também: começo, paro, fico meses sem tocar neles, depois eu volto. Os assuntos que ele trata não são "pequenos pedaços de sabedoria", mas grandes extensões da óbvia realidade... Cada pequeno trecho demanda, por si só, um bom tempo para elaboração de idéias e execução na própria vida.

    ResponderExcluir
  3. O Zaratustra eu li todo,mas agora estou lendo de novo com a ajuda de alguns textos sobre ele,embora goste de entender e tirar conclusões por mim mesma. Eu comecei a ler humano,demasiado,humano e decidi parar e comecei a gaia ciência e estou seguindo com ele e como você disse: "Cada pequeno trecho demanda, por si só, um bom tempo para elaboração de idéias e execução na própria vida". E ao mesmo tempo estou lendo sobre os principais conceitos da filosofia desse provocador!

    ResponderExcluir
  4. É isso! Ninguém nunca está preparado pra ler Nietzsche, ainda mais quem tem chance de entender o que ele diz. Lê-lo foi a melhor e a pior coisa que já fiz. Gostei do texto!

    ResponderExcluir
  5. Olá, Marol,

    Sou editor-assistente do Digestivo Cultural (www.digestivocultural.com). Te enviei um email pedindo a republicação do seu texto:

    http://meucarominhacara.blogspot.com.br/2012/02/cai-na-besteira-de-ler-nietzsche.html

    Você permite a repostagem?

    Não sei se você recebe naquele email, por isso reenvio por aqui.

    abs.,

    ResponderExcluir
  6. Se eu tentasse descrever como me senti, e ainda isso acontece quando leio Nietzsche, e não faço isso disciplinadamente, porque, quero saber o que ele escreve em outro livro, para tentar me situar, não poderia fazer melhor que esse texto. Tenho vários livros em PDF e é raro o dia em que não acesso um deles para tentar me situar sobre seus aforismos. Recorro à vídeos, Karnal, Clóvis de Barros, Vivane José...Santa ajuda! Acho que Nietzsche vive em mim!

    ResponderExcluir
  7. O que difere Nietzsche de outros filósofos, é a capacidade dele de ultrapassar seus próprios limites, esquecendo-se de sua própria condição limite, entre a sanidade mental e, física, sempre se superando, e com isso tornando-se um super-homem. Impressiona o fato de ele ter sido criado em um lar religioso, ter conhecido Schopenhauer e, não fazer citações bíblicas, como fazem a maioria dos filósofos. Também cometi essa besteira, e o que é pior, me viciei. Tenho muita coisa dele, em PDF, em sites, em seleções frase, vídeos...sou nitzcheniano incurável! Só não consigo pensar que esse maravilhoso homem tivesse um final tão doloroso. Cada vez que o vejo na cama, vou às lágrimas...E, por incr´vel que pareça, ele parece sempre exibir um ar sorridente, como dizendo, sou uma dinamite mesmo, um vencedor!

    ResponderExcluir
  8. Isso es apenas sua filosofia. Agr, q se rebelou, crie, recriando, engatinhando, a sua, q então será uma obra de arte vital.

    ResponderExcluir
  9. Devias falar de introdutórios, O Anticristo, O caso David Strauss, o viajante e sua sombra, teses sobre a coisa e a não coisa (Gorgias), Crepuscilo dos idolos, Gaia Ciência, e um q gosto smp de rever, Nascimento da tragedia ; Zaratustra, seria, oq ninguém fala, algumas coisas são apenas pra certas pessoas perceberem, tipo artistas sob uma ditadura.

    ResponderExcluir
  10. percebo uma confusão na mente de quem leu nietzsche, digo que tambem passei por muita confusão similar da metade de 2015 pra cá. pra não ter confusão eu digo uma coisa: tudo na vida é foco, direcionamento. não adianta tentar se adequar a um pensamento a qual voce nao consegue colocar na realidade. se eu fosse viver como nietzsche proproe eu teria terminado na prisão a muitos anos ja, por isso levo uma vida solitária, e isolado de tudo, como schopenhauer vivia, sempre no quarto no fim de semana a noite/madrugada.

    direcione tua vida pra algo util em vez de tentar viver utopias a qual nem nietzsche conseguiu viver, nem ele viveu o que escreveu.

    a grande verdade é que esses ateus racionais, progressistas, eugenistas, nazistas adoram citar nietzsche mas viver o que nietzsche propoe é loucura, nao tem nada a ver com ser civilizado, viver o que ele propoe leva a pessoa enlouquecer e cometer crimes, pois os conflitos de uma vida intensa sao inevitaveis.

    a vida tem que ter um caminho, uma lógica, um direcionamento, se nao vira confusão e loucura. eu direciono pro que sei que sou capaz, e nao pra uma utopia como viver a vida intensamente a ponto de terminar na prisão pro resto da vida.

    talvez caras que praticam muita musculação, artes marciais e andam armados consigam viver melhor o que nietzsche propoe do que intelectuais fracos fisicamente. eu nao sei brigar, logo a vida intensa nao serve pra mim.

    eu direciono minha vida a ponto de poder superar meu grande medo do fracasso, aceitando as derrotas da vida como prazer, mas nao consigo superar meus medos a ponto de viver como nietzche, sem duvida ficaria louco e faria insanidades.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Secrete Face, ler Nietzsche, pra vc é realmente uma asneira. Procura outro filósofo mais acessível, que apenas diga o óbvio e não exija que vc raciocine. Acho que Paulo Coelho, um escritor medíocre, mas, que de maneira desastrosa faz suas incursões pela filosofia, lhe cairia bem. Li seu texto, e percebi que seus erros ortográficos e sua dificuldade para seguir uma linha de raciocínio inteligível, realmente, não o recomendam para ler sequer os mais simples aforismos de Nietzsche. Não sei porque também descarta Schopenhauer, esse filósofo cristão, seria bem indicado para vc. Leitura fácil, escorado na "Palavra de deus", niilista negativo, faz bem seu estilo. Vou citar Neruda para ser coerente com seu comentário. "Você é livre para fazer suas escolhas, mas se torna prisioneiro delas". Vc fez uma escolha errada, não devia ter tentado entender Nietzsche, não é realmente seu número. Mas, conseguiu se libertar, o que já é um grande passo. Continue lendo a bíblia, já que também inclui os ateus como desprovidos de razão. Vc sequer tem a mínima ideia do que é ser ateu. Se não entendeu Nietzsche, desista de querer entender um ateu. Vc se tornaria um perigo para sociedade, já que acha, como todos os religiosos, que um ateu é libertino, descumpridor das regras de conduta que regem toda a sociedade. Também não caia na asneira de ler sobre ateísmo, vc não está preparado. Seria desconstruir sua fé no imaginário, e isso o tornaria insano.
      Não cometa mais asneiras. Continua a pagar o dízimo e seguir o que seu pastor lhe recomenda.

      Excluir
  11. Já passou bastante tempo desde que escrevestes o texto... Ele continua muito atual... também estou lendo Nietzsche, sem medo! A não do Zaratustra... parabéns!

    ResponderExcluir