3 de fev. de 2012

CARTA AO RECEM EMPOSSADO UNIVERSITÁRIO

Meu caro, minha cara...              

Bom dia, boa tarde, boa noite. Não sei quando você lerá esta carta, mas não importa a hora do dia; espero que ela seja apenas boa (ou não, vai saber...)
                O motivo que me leva a escrever esta carta é a egocêntrica e hiperbólica ideia de que já vivi o suficiente para ter experiência e conhecimento para transmitir aos que vieram depois de mim. É reconfortante saber que ainda me sinto capaz de escrever - e de ter o que escrever. Por esta razão, eis-me aqui.
                Uma correção: o motivo latente é o que expus acima, mas o motivo manifesto é o fato da Caroline, a mais novinha aqui na empresa, ter passado com uma pontuação no ENEM suficiente para entrar em uma Federal em Minas. Fiquei muito feliz por ela, pois, entre todas as coisas que ela aprenderá, as mais importantes serão “ensinadas” fora do currículo escolar.
                Pois bem. Exposto os motivos desta carta, vamos ao ponto.
                De todas as coisas que eu aprendi dentro e fora das salas de aula, durante e depois da faculdade, posso eleger quatro pontos que - acredito eu - sejam importantes para o bom aproveitamento destes anos.
                O primeiro deles é: Cuide dos estudos. “Sério??? Puxa! Descobriu a América, hein, sua ridícula!”, é o que muita gente falará. Mas o que as pessoas têm em mente quando se diz a palavra “estudo” é enfiar a cara nos livros e decorar tudo o que há neles. Até me lembra aquela música do Gabriel, o Pensador: “Manhê, tirei um dez na prova // Me dei bem, tirei um 100 // Eu quero ver quem me reprova // Decorei toda a lição // Não errei nenhuma questão // Não aprendi nada de bom // Mas tirei 10.
                Quando estava na faculdade, eu sinceramente me sentia perdida com relação aos estudos. Confesso que, embora tivesse muitas idéias, não via muito campo para dar vazão a elas.
                (um apêndice: até hoje não sei por que fiz Psicologia. Disseram-me que, para trabalhar com Recursos Humanos era necessário fazer Psicologia, por causa dos testes. Por isso eu fiz. Contudo, hoje percebo que eu não deveria ter baseado a escolha da minha carreira num motivo tão pequeno)
                Voltando: ao final do 2º ano de faculdade, tive a oportunidade de conhecer uma pessoa muito legal, que acabou virando meu orientador de pesquisa. O mais legal no Cláudio é que, quando eu sentei com ele para conversar, a primeira coisa que ele me disse foi: “Se você tem dúvidas, leia primeiro sobre o assunto. Pegue as férias e veja estes livros [e ele me passou uma lista bem gordinha]. Depois que você fichar todos eles e voltar das férias, conversamos”.
                (outro apêndice: o Cláudio foi meu professor, orientador de pesquisa e supervisor de estágio durante três anos na faculdade. Com ele eu aprendi que o Conhecimento não vem com o que te dão para estudar, mas com aquilo sobre o que você se sente curioso, disposto e apto a fazer. Por essa razão, muitos interpretavam sua postura como “descaso”, mas, para mim, era pura liberdade...)
Alguém deve estar se perguntando que livros / assuntos foram esses. Explico: estava eu enraivecida com o discurso ridículo de vários colegas de faculdade a respeito da qualidade de ensino. Diziam que faculdade particular não prestava e só a pública era boa (para quem não sabe, estudei na UNESP de Assis, de 2000 a 2004). Para mim, a opinião deles era baseada em pré-conceitos ditados pelos pseudo-revolucionários existentes no meio universitário (legítimos ectoplasmas dos ecos da Ditadura... um horror...). Então, como sou uma pessoa que gosta de dizer as coisas “na certeza”, fui estudar este raio de “qualidade de ensino”.
                Levei três anos estudando isso e o resultado foi interessante: aprendi mais sobre a construção do Ensino Superior no país que qualquer professor, aprendi demais sobre a história do Brasil, e aprendi também que os universitários em geral não sabem o que significa essa porcaria de “qualidade de ensino” que tanto apregoam só existir no ensino público.
                Ao final da minha pesquisa, sabe o que mais me chocou? A grande maioria das pessoas que fizeram parte da minha pesquisa disseram que “qualidade de ensino” é ter bons professores, boa biblioteca, boas instalações, bons laboratórios... Que pensamento tacanho! Quanta estupidez... Só duas pessoas me deram uma definição do que seria “qualidade de ensino”: “É a faculdade que te ensina a pensar sozinho”.
                Isso é tão óbvio que até assusta os mais desavisados. E olha, meu caro leitor, que os desavisados são em número bem grande...
                Como eu cheguei a essa conclusão? Estudando e pesquisando. E pesquisar não é nada complicado. Pesquisa nada mais é do que ter uma dúvida, uma pergunta, e não ter ninguém ao seu lado para te responder. Então, você é que terá que investigar e colher as suas próprias respostas.
                Por isso, quando eu digo “cuide dos estudos”, cuide de aprender algo que tenha relevância para você. Pode ser que, junto, você aprenda algo que também está na grade curricular do seu curso, mas cultive o hábito de ser curioso e não esperar que os outros respondam as coisas por você. Tenha dúvidas. Elas serão suas e você terá responsabilidade sobre elas. E, ao contrário do que muitos falam, buscar respostas é mais divertido do que se pensa.
                O segundo ponto que eu acredito que seja importante ao recém - empossado universitário  é: “Tomar cuidado com seu corpo”. “Putz! Sério mesmo? Nossa... Descobriu a roda agora!!!”, é o que muito desavisado vai dizer. Mas, como eu disse anteriormente, o óbvio nos espanta.
                Cuidar do próprio corpo significa que você deve comer bem. Para isso, aprenda a cozinhar. Não precisa ser nenhum Ás na cozinha: arroz, feijão, bife e salada. Sim, SA-LA-DA. Peça para sua mãe te dar dicas de cozinha. Se você nunca comeu verduras e legumes na casa da mamãe, aprenda a comer. É melhor comer abobrinha e alface do que tomar benzetacil na bunda. Além de fornecer os nutrientes necessários, regula o intestino e você não sofrerá tanto por estar “enfezado”.
                Mantenha os horários de café, almoço e jantar. E não se preocupe com o dinheiro: a comida que presta é barata. Basta não ter preguiça para cozinhar. Quando for para a balada, coma bastante antes. Seu fígado agradecerá imensamente. Garanto que a ressaca será bem menor. Entre uma cerveja e outra, beba uma garrafa d’água. Não precisa ser toda hora, mas beba pelo menos uma garrafinha. A dor de cabeça da ressaca geralmente é causada pela desidratação do corpo.
                Se quem estiver bebendo é mulher, aceite uma verdade universal: mulheres são mais fracas para bebida sim. Isso é biológico. Temos uma massa corpórea menor e menos sangue no corpo; tudo nos desfavorece quando o assunto é “porre”. Ao beber, beba ao lado de amigos. Não vá capotar na balada mas, se isso acontecer, assegure-se de que haverá algum bom samaritano que segurará sua cabeça e seu cabelo para que não fique sujo de vômito... E que te leve em segurança para casa.
                Lembre também de cuidar de sua integridade física. Não ande sozinho por aí. Qualquer um pode ser assaltado - e isso pode acontecer sim. No caso das mulheres, tomem cuidado com algo pior. Quando entrei na faculdade, logo na primeira semana, alguns professores davam o seguinte recado: “Meninas, não andem sozinhas. Tivemos cinco casos de estupro do ano passado para cá. Tomem cuidado com entregadores de farmácia, supermercado, loja de móveis, encomendas em geral. Tomem cuidado inclusive com colegas de faculdade. Andem acompanhadas e nunca deixem que alguém fique entre você e a saída da sua casa”.
Como já dizia meu avô, você come uma saca de sal com uma pessoa e ainda assim não a conhecerá direito. Desta feita, cuide de seus membros superiores: não ponha a mão no fogo por ninguém.
                Eu gostaria de dizer para que vocês também cuidassem do coração no quesito “cuidados com o corpo”, mas isso é impossível. Se há algo que nunca evitaremos é que o nosso coração não se parta. Se você nunca foi acometido pelos arroubos da paixão, saiba que a faculdade é um local e um período muito propício para cometer grandes burradas nesta área. Lembro que a palavra “paixão”, sintaticamente, vem de “sofrimento”. Logo, amar é sofrer. Mas como tem gente que gosta de sofrer... Essa dor doída que tanto nos dá prazer...
                Assim, não se preocupe com seu coração. Logo que você deixar que alguém o quebre pela primeira vez, irá se viciar, não importa que seja aos 20, 30, 40 ou aos 80 anos de idade. Ao invés de usar a esperança para ajudá-lo a encarar a decepção do coração partido, use o cérebro. Ele será um aliado muito mais propício.
                Por falar em cérebro, os “cuidados com o corpo” também incluem a nossa cabeça. Cuide para que você tenha sempre uma saída para os problemas que assombram sua mente. Isso inclui boas conversas com bons amigos, procurar por terapia, se abrir com seus pais (sim, seus pais! Se você tiver algum preconceito com relação ao que seus pais acham sobre a vida, experimente conversar com eles. Às vezes não dá em nada, mas as chances de dar em algo legal são maiores).
                Nesse quesito, é importante lembrar que esta é uma fase importante para você se deparar verdadeiramente com quem você realmente é. Jung chama isso de processo de individuação, quando “você se torna aquilo que você já é”. Na verdade, é quando você se dá conta de como você é de verdade. No meio disso, você vai ver que as pessoas não têm defeitos ou qualidades, mas características, que podem ser boas ou ruins, dependendo da aplicação e do momento. Descubra-se. O período de faculdade é bom porque as pessoas que conviverão com você não te conhecem, e vão passar a gostar ou não de você pelo que você apresenta, não porque te pariu.
                O terceiro ponto importante é: “Cuide do seu dinheiro”. Todo universitário hoje tem uma conta bancária, seja para receber a mesada dos pais, seja para receber uma bolsa de estudos. Ao abrir a conta, o atendente vai te dar um “Cheque Especial pequenininho” (pelo amor de Deus! Não confundam Cheque Especial com talão de cheques!!! São coisas completamente distintas! Não pague este mico!!!) e também um “Cartão de Crédito” que, segundo orientação dele, deve ser utilizado “nas emergências”.
Para quem não sabe, os bancários fazem isso porque têm uma meta alta de abertura de contas, venda de cartões de crédito e outros produtos bancários. Mas, convenhamos: isso é um problema DELES. Não é porque eles ofereceram e disponibilizaram que você precisará pegá-los. Por experiência própria, NÃO PEGUE. Você não precisará deles.
“Mas, e numa emergência?”. Vou dar uma lista de emergências:

  1. “Me roubaram e não tenho um puto no bolso para comprar comida”;
  2. “A descabeçada da menina que mora comigo não depositou o dinheiro para pagar a parte dela nas contas e agora eu voltei para casa com a luz e a água cortados”;
  3. “Tô doente e o remédio que o médico me passou é bemmm caro”.

Esta é uma lista de coisas que realmente são emergenciais. E, para elas, existe pai, mãe, vô, vó, tias, primos, etc. Você não ficará desamparado, fique tranquilo.
Por que eu coloquei aqui essa questão de “emergências”? Porque, de posse de um cartão de crédito ou limite de cheque especial, o universitário terá o péssimo hábito de achar que “emergência” é a falta repentina de cerveja ou a constatação de que não tem uma roupa sequer para ir naquela super-master-blaster-mega-power-pluz-advanced balada da faculdade.
Acredite. Se você souber organizar seu parco orçamento, você verá que sempre sobrará um dinheirinho para a cachaça. Se pesquisar bem, verá que sempre tem uma lojinha na cidade que vende roupas bonitinhas e com preços interessantes. Não se desespere. Só não há escapatória para a morte. O resto é negociável. Aprenda a negociar.
Quanto aos livros da faculdade: tire xerox, pegue emprestado da biblioteca ou compre de alguém que está em algum ano acima do seu e não precisará mais usar. Vá aos sebos. Os móveis da sua casa podem ser usados - desde que estejam em bom estado e sem cupins. Você ficará com eles por quatro ou cinco anos no máximo. Não há necessidade de você fazer um projeto arquitetônico e paisagístico para morar fora de casa durante a faculdade. Aprenda a se virar com o que tem.
Aproveitando a deixa, coloco aqui o quarto e último ponto que eu acho importante: aprenda a lidar com o imprevisto. Faça o seu bem feito e deixe o resto com o resto.
Quando se sai de casa, muita gente tem a doce ilusão (e ilusões NUNCA são doces) de que tudo será lindo, perfeito, que aprenderemos tudo e guardaremos para sempre grandes lições de vida.
Mentira.
Muita coisa vai dar errado, e a melhor coisa para lidar com isso é admitir que deu errado. Às vezes o causador do enrosco será outra pessoa. Pense duas vezes antes de abrir a boca para acusar ou reclamar. Na próxima semana a próxima burrada será de sua autoria. E você não terá orgulho disso. Assim, quando o problema aparecer, concentre suas energias em achar uma solução ao invés de achar um culpado. Depois que a situação estiver melhor, não vai adiantar muito enfiar o dedo na cara do “autor da arte” (mas às vezes isso é necessário... mas isso você aprenderá com o Tempo e a Experiência). Agindo assim, você perceberá que sua capacidade de antever as cagadas será ampliada. Já é um avanço.
Se você é um recém - empossado universitário, você teve sucesso no ENEM e/ou no vestibular. Parabéns. Mas lembre-se: o fracasso é parte inerente da vida e ele fará parte da sua também. Você não é tão especial assim para se ver imune dele. Você terá revezes, você terá desprazeres e (muito provavelmente) você ficará na média em sua vida adulta. Esqueça os gurus de “Você S.A”, “HSM” e coisas semelhantes. O conceito de “sucesso” é muito mais amplo do que se apregoa por aí.
Tenha em mente que nem todos são brilhantes advogados, professores, engenheiros, psicólogos ou administradores. Nem todo homem foi feito para ser chefe de família, nem toda mulher foi feita para ser mãe. Nem toda pessoa nasceu para casar ou para ter sanidade mental. Talvez você não esteja nesta lista, mas talvez esteja. Se assim for, desencane.
Faça o que estiver dentro das suas possibilidades - e faça bem feito. O que estiver fora dos seus limites, deixe nas mãos de Deus, da Sorte, do Universo. Mas não puxe para você uma responsabilidade que não é sua. Mas o que for de sua responsabilidade, assuma. E não reclame se algo der errado. Se a dor e o prazer, o erro e o acerto, o abraço e a despedida, a maturidade e a juventude são parte da nossa vida, abrace-as com carinho. Isso é tudo o que você pode fazer por si mesmo. Você verá que, ao final da faculdade, você terá mais dúvidas que agora, mas será uma pessoa mais preparada para lidar com o incerto. Tenha certeza disso.
Então, aproveite.
(E beba uma em minha homenagem... Não me roube este prazer...)

Atenciosamente,

Marol
Ribeirão Preto, 22 de dezembro de 2011

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