22 de ago. de 2016

VAMOS VER...

Meu caro, minha cara,

Hoje de manhã, segundos antes de atravessar a rua para entrar no prédio onde trabalho, havia um cara num carro importado passando na rua naquele momento.

Eu parei no canto da calçada, esperando ele passar para que eu pudesse atravessar. Venho andando bem devagar depois da cirurgia, por causa do joelho e, por causa da dor que venho sentindo na última semana, voltei a usar a bengala.

Enquanto esperava esse cara passar, percebi que ele diminuiu a velocidade e passou muito devagar por mim. Quase parou. Quando percebi, notei que ele estava me olhando, com a cara mais espantada do mundo. Ele me olhava e olhava minha bengala, incrédulo.

Deveria estar pensando que bengala é coisa de velho. Deveria estar pensando que quem é novo não se machuca e não tem problemas de mobilidade.

Deveria achar que uma pessoa com algum problema de mobilidade ou é um pobre ferrado, que tem que explorar sua desgraça para conseguir alguma graça dos outros, ou então deve ser alguma personagem rica de novela global, que infortunadamente sofreu um acidente e sofre sua desgraça, enquanto tem todo o apoio que o dinheiro pode dar.

Não sou nem uma coisa, nem outra. Até onde sei, meu estado é temporário. Demorará para sarar, mas acredito que ficarei bem.

O que o espanto do motorista de hoje me lembrou vai muito além do que possa ter passado pela imaginação dele.

Me lembrou de que tudo tem limite.

Que é escolha nossa fazer o que der pra fazer dentro desse limite.

Que as vezes a gente escolhe ficar cansado, porque ficar sempre com "pensamento positivo" cansa.

Que a gente tem o direito de ficar cansado.

E que tem o direito de descansar.

Me lembrou que as coisas acontecem com qualquer pessoa, incluindo nós próprios.

E que há coisas que podemos decidir, mas outras, não.

Que decisões tomadas 10, 15, 20 anos antes podem ter consequências agora.

E que não dá pra ficar se culpando pelo que fez e pelo que não fez no passado, não importando se esse passado foi hoje de manhã ou 30 anos atrás.

Me lembrou que as coisas mudam.

As perspectivas mudam.

As opiniões mudam

As prioridades mudam.

Que a gente muda.

E que tá tudo bem. Isso acontece.

E vai doer.

E vai incomodar.

E a gente vai sofrer um pouquinho.

Ou um poucão.

Mas vai passar (assim a gente espera).

E que a gente vai sair melhor do que entrou (assim a gente espera também).

Fiquei muito incomodada com a forma como esse cara me olhou, mas tenho que agradece-lo por ter feito isso. Pois foi esse olhar, hoje, que me fez lembrar tudo isso.

A gente passa tanto tempo prestando atenção no que está fora de nós que, quando alguém ou algo te motiva a prestar atenção no que está por dentro, a gente tem que agradecer (mesmo que seja desagradável).

Hoje eu consegui esse momento. Esperarei ansiosa e atenta pelo próximo.

Vamos ver...

Ribeirão Preto, 12 de agosto de 2016.

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