24 de jul. de 2019

OLÍVIA

Meu caro, minha cara,

Durante um período da faculdade tínhamos na república uma cachorra chamada Olívia. Ela era uma linda Pit Bull red noise com músculos bem definidos, um latido muito grosso e alto e uma personalidade que mais parecia a de um labrador.

Mais tapada, impossível.

No entanto, era ótimo morar com ela. Os entregadores do mercado tinham medo, assim como os vizinhos, os ratos de esgoto que as vezes apareciam no quintal eram exterminados sem dó.

Além disso, ela era carinhosa, brincalhona e muito companheira.

Só nós sabíamos que ela era, na verdade, um ser inofensivo e que eu era o animal mais raivoso da casa.

No começo, não nos demos bem. Ela comeu parte do meu colchão de casal, que ficava na sala fazendo as vezes de sofá. Ela também gostava de pegar minhas meias na caixa de roupas sujas para levá-las ao quintal e ficar cheirando e mordendo.

Quem gosta de cheirar meias sujas?

Mas nos entendemos depois. Eu adorava aquela cachorra.

A dona dela, a Tati, virou minha amiga nessa época. Brinco que, de tanto que brigamos, gastamos nossa cota de discussões dessa vida e desde então nos damos muito bem.

Algumas vezes, eu levava a Olívia para passear. Ela tinha uma coleira do tipo forca, que apertava o pescoço do animal à medida que este se projetava para frente.

Só que com a Olívia isso não adiantava nada. Ela preferia se estrangular, saltar os olhos para fora do globo ocular, perder o fôlego e machucar o pescoço a andar mais devagar.

Nessas ocasiões, eu parava um pouco, pegava a Olívia nos meus braços e a segurava até ela voltar a respirar novamente.

Eu entendo hoje em dia essa ansiedade. Em querer ir, correr, voar e investir nisso, mesmo que a coleira que te prende te machuque mais e mais. E também na necessidade de ter alguém que, na nossa falta de limite, faça isso por nós.

Um dia, estava passeando com ela e até que ela se comportou bem. Morávamos perto de uma rotatória e duas ruas muito movimentadas. Na volta para a casa, tínhamos que passar por essa rotatória e, devido ao volume do trânsito, a Olívia ficou muito assustada.

Para piorar, quando íamos atravessar, um carro acelerou, meteu a mão na buzina e jogo uma luz muito alta para cima de nós.

A Olívia entrou em pânico e começou a pular de um lado para o outro. Não havia jeito de deixar a cachorra mais tranquila.

Nisso, fiz o que consegui fazer: arrastei a Olívia pelo pescoço ao atravessar a rua e fomos correndo para casa. Não foi a melhor saída, mas foi a possivel. Havia tentado levar ela no colo antes, mas quando você tem um animal com algumas dezenas de quilos se debatendo nos seus braços, você precisa de um plano B.

(E planos B nunca são perfeitos. Eles são apenas... Possíveis...)

Depois daquele episódio, mudei o itinerário dos passeios.

No meu último ano de faculdade a Olívia não morava mais com a gente. Ela se mudou com a dona dela para outra cidade. Ainda vi a Olívia mais algumas vezes, mas muito pouco.

Sempre gostei dessa cachorra e, de todos os animais que nunca foram meus, ela tem um lugar especial no meu coração.

A algum tempo ela morreu e confesso que eu tenho saudade dela. Lembro das histórias, dou risada, fico sentimental. Contudo, entre todas as lembranças que tenho dela, a mais marcante foi do dia em que o motorista daquele carro foi maldoso com a gente.

E da forma como reagimos.

Não da melhor maneira.

Mas da maneira possível.

Ribeirão Preto, 24 de julho de 2019


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