6 de set. de 2019

MAIS DO MESMO

Meu caro, minha cara.

Andávamos aos pares nos domingos de manhã ao sol. Não me lembro se, antes, íamos à missa. Acho que não. Ir à missa sempre foi uma tortura. Mas andar pelo calçadão não era.

O sol traz os turistas e deles tínhamos que nos desviar. Sorte que eles queriam areia, ao invés de chão de cimento. Andávamos e conversávamos, brincando que as antenas parabólicas em cima dos prédios (novidade na época) eram redes montadas para pescar peixes voadores.

Olhávamos as pessoas, os carros, as cenas. Absorvia as histórias que via e inventava.

Os domingos de sol e caminhada eram os melhores...

(...)

Não passava protetor solar. Achava ruim minha mãe passar isso em mim e ter que esperar aquela meleca secar. Queria brincar, brincar e brincar. Nadar até onde o pé não alcançava o chão e sentir medo por isso. Nunca mais sair da água, mas ter que sair dela para voltar à realidade. Uma realidade que  cobrava o preço por uma pele queimada de sol dentro de um carro quente, sem ar condicionado, numa fila de carros esperando sua vez para entrar na balsa e retornar para casa.

Chorava com a pele ardendo pelo sal e sol e teimosia. Sei que enchia o saco de todos com meu choro. Mas... Fazer o que? Era só uma criança...

(...)

Mais de duas décadas se passaram até eu voltar a molhar meus pés do jeito certo. Andava sem rumo e catava conchas brancas na areia branca. Até lembrei de passar o protetor antes e colocar um boné, mas entrava na água tantas vezes para limpar a areia das conchas que catava. Com isso, também lavava o corpo e esquecia do protetor. Peguei uma insolação que só os banhos de cachoeira fizeram sarar. Andava sozinha pelas ruas, sabendo que estava num lugar seguro. Bebia cachaça, cerveja e caipirinha. Não tinha relógio e não tinha roteiro. Passava os dias ouvindo "Because". Tirei as primeiras fotos pelas quais me orgulhei.

(...)

Namorava nessa época e foi um final de ano quase horrível. O que salvou foi a tempestade, vinda do mar, lá longe, aos poucos alcançando a costa. Via as pessoas fugindo, o vento varrendo cabelos, roupas, rostos e chinelos. Via os raios, ouvia os trovões. Sorria.

No dia seguinte, sol. Andava pela orla e via o resultado: muitas conchas quebradas, muitos siris mortos, mariscos soltos de suas pedras. Um mosaico lindo vindo da fúria.

Não havia fúria alí. Havia apenas natureza.

(...)

Estava frio. O tempo todo, frio. E vento. E pescadores com tarrafas a poucos metros da areia. Conversavam com seu sotaque apressado, enquanto algumas garças e gaivotas esperavam por alguma sobra. Não sei o que pescavam. Eu só queria andar.

No dia seguinte, vento e pés descalços. Sem mergulhos dessa vez. Apenas matando as saudades. Apenas me sentindo em casa. Apenas querendo caminhar pela orla. Esperando sair dali e voltar para uma casa que fosse próxima de lá. De lá ou de qualquer outro lugar igual.

Ribeirão Preto, 06 de setembro de 2019.


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