2 de fev. de 2020

A VIDA BOA

Meu caro, minha cara.

Olhei para o saldo e para o Excel e pensei: "tudo certo". Respondi que sim no whatsapp e avisei em casa sobre sábado. Pouco antes da hora, recebi uma mensagem: "vou atrasar 10 minutos". Beleza; vai dar tempo de passar na papelaria e comprar caderno, caneta e papel para escrever cartas para a Aline. No final, não houve atraso algum e eu acabei chegando atrasada. Meti um carro no estacionamento e subi a ladeira. E sentei no café. Depois de quase 3 anos, finalmente conseguimos bater papo para conversar. A última vez foi um almoço, com a recomendação "comece a procurar emprego". Foi numa segunda feira. Na sexta, fui demitida. Mas isso eu já sabia. Aliás, embora tenha ficado doente lá, ser mandada embora foi a coisa mais incrível que poderia ter sido feita por mim. E foi feita. E sou grata. Foi um gesto de bondade, ao contrário do que se parece. Depois de tanto tempo, nos vemos de novo. Falamos das respectivas famílias, dos trabalhos, falamos mal de quem merecia (rs), como se o tempo não tivesse passado. Foi bom rir e perceber que o tempo de fato passou, para mim, para ela e para todo mundo. É bom olhar para trás e saber que todo seu caminho te trouxe até um café da manhã em boa companhia. Nós levantamos e fomos comprar linha pra crochê, chá e placa de identificação para lápide no cemitério. Tudo isso em meio a risadas e à certeza de que mudamos para continuarmos as mesmas. Nos despedimos e passo na farmácia e, depois, casa. No caminho recebo uma ligação que não esperava. Era outra, do mesmo tipo de gente que a primeira: o tempo pode passar, podemos mudar, mas a conversa é sempre fresca como um banho, um copo de água gelado, uma cadeira para pés cansados, ar condicionado em dias de verão. Conversa animada sobre orquídeas desencanadas e como controlar o orçamento. E ainda: como ser adulta, como olhar o simples, como sorrir para as pequenas coisas, como é bom movimentar a vida, como é bom enxergar a beleza, como há altos e baixos, como é bom saber que se é capaz de amar. Depois do almoço, séries e cama. Sono, sono e sono. Acordar a noite para comer, abraçar, ficar em silêncio e mais sono. Acordar às 5h para deixar o gato sair do quarto e sorrir por conseguir ter uma rotina que leva em conta a vida de um bichinho tão diferente assim. Aliás, saber o que um bicho quer é uma vitória: a vitória da sensibilidade. Fazer o que se deve e o que se quer, sem ter que responder a expectativas diferentes daquelas que se cria para si. E saber quais expectativas criar para si. E saber que, mesmo tento uns momentos bosta, a vida até que é boa no fim das contas.

Ribeirão Preto, 2 de fevereiro de 2020.


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