31 de mar. de 2020
ANTES TARDE...
Meu caro, minha cara.
Tarde da noite me pego pensando no que falta para agir em proveito próprio.
Entre devaneios, lembro da mulher de Ló.
E é assim, como "mulher de Ló" que a mulher de Ló é conhecida. Sem nome próprio, sem biografia, sem nada.
Pois ela é a pessoa que, na fuga de Sodoma, olhou para trás para ver a destruição da cidade ao longe e, por isso, virou uma estátua de sal.
Quando ela me foi contada, as freiras me disseram que o fato dela ter virado seu rosto para a destruição de Sodoma é representado como um ato de olhar o passado sem Deus e também como um ato de saudades.
Para alguém que não tem biografia, isso é uma inferência muito séria sobre seu caráter.
Enquanto essas ideias me vêm à cabeça, a enxaqueca volta. Como um alfinete que rompe o tecido para costurá-lo.
Como uma garra que perfura a pele.
Como um badalo que se choca contra os tímpanos.
Sorte que, dessa vez, tenho um pouco do remédio guardado para tomar.
No dia seguinte, ainda com sono, ligo o computador. A dor ainda está aqui, espreitando a próxima oportunidade de atacar.
O que também está aqui é a estátua de sal da mulher de Ló. A sem-nome-mulher-de-Ló. A sem-rosto-mulher-de-Ló.
A sem-história-mulher-de-Ló.
(...)
Olho para frente e só vejo passado... Não é à toa que também estou assim...
Ribeirão Preto, 31 de março de 2020.
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