Meu caro, minha cara.
...a vida é assim, Pequena: você olha para uma calçada e vê
um homem ganhar a vida vendendo carvão na rua feito com madeira não
certificada. Enquanto isso, a mulher fica sentada num banquinho debaixo de uma
árvore e o filho mais novo empina pipa ao lado do poste...
...você olha em seguida e outro garoto de sete anos joga
bola descalço na rua, com a pele de chocolate e o cabelo descolorido igual
jogador de futebol com gosto duvidoso de moda...
... vê a mulher de máscara no ponto de ônibus, respirando fundo
para aliviar o dia, para aliviar a rotina, para aliviar os músculos e sonhar
com um assento livre na circular, antes de chegar em casa...
...olha para dentro da farmácia e imagina o que as pessoas compram:
antibiótico, camisinha, esmalte, leite em pó, álcool gel, ansiolítico,
farmacinha, kit ressaca, enquanto rezam para que a mendiga com o bebê do lado
de fora esqueça que pediu a cada um deles um pacote de fralda...
A vida é assim, Pequeno... é como aquela bolsa preta jogada
no canto da calçada, vazia, estirada sob o sol, nessa terra mormacenta onde há
um sol para cada um. Jogada pela dona? Jamais! Mas pelo cara que assaltou a
dona e a deixou sem documento, sem cartão e sem dinheiro? Com certeza, sim...
...ou como aqueles cavalos soltos que vivem vagarosos pelas
ruas, lembrando aos motoristas que os freios existem (pois só os burros lembram
das buzinas nessas horas)...
...e enquanto, da garupa de uma moto, você vê tudo isso, só
reza para chegar em casa, esquecer da bolsa, do antibiótico, da pipa, do
assaltante e do sonho com o assento na circular para só imaginar com o ar
condicionado do quarto ligado...
...e esse tempo gigante que agora passamos na frente do
computador, mas em casa, dando aquele nó no cérebro sobre “lugar de trabalho” e
“lugar de descanso”... para piorar, tem sempre alguém dizendo que é “fácil”
fazer isso.
(claro que é fácil dizer isso para uma câmera, mas e para a
realidade?)
...mas, pelo menos, poder ir para a pequena sacada de casa e
olhar as árvores ao longe, ver a revoada de pequenos pássaros pretos sobre os
matinhos, as torres de energia silenciosas e o barulho longínquo dos carros, como
se a cidade estivesse longe...
...daqui ela parece longe o suficiente para que eu imagine
pessoas dando tropeções, transando, contando dinheiro, comendo, vendo tv,
fazendo faxina, salvando vidas, passeando com o cachorro, tendo dor de cabeça...
...a vida é assim, meu bem... e por hora, só desejo que
todos tenham um pouco de paz e eu tenha um pouco de sorte...
Nenhum comentário:
Postar um comentário