3 de fev. de 2012

SOBRE A ESPERANÇA (E OUTROS MALES)

Meu caro, minha cara,

                Estou aqui sentada em frente ao computador, pensando em como organizar as letras para por a termo minhas elucubrações sobre a Esperança... Para tanto, faz-se necessário explicar por que desejo tratar sobre este assunto.
Porque estamos no início de um ano!
                Não importa o ano (no caso, 2012). O Ano Novo sempre será novo até o Carnaval. Pelo menos, é isso que se espera dele. E sinto isso porque, no frigir dos ovos, é isso que esperamos de nós mesmos: gestos nobres e pueris, sorrisos frugais e a sensação de termos à nossa frente muito tempo a nos esperar...
                Ao final de 2011, recebemos os “sinceros votos de um Próspero Ano Novo”. Seja de parentes, amigos, comerciais de TV ou malas diretas, os “votos” de “Ano Novo” sempre são dados, ou até esbanjados, independente do grau de sinceridade e compromisso envolvidos.
                E tudo isso, meu caro e minha cara, tudo se liga a uma palavra que adoramos utilizar: Esperança.
                Encanta-me conhecer a origem das coisas. Isso me torna mais íntima delas. Se buscarmos a origem da palavra “Esperança”, veremos que ela vem do latim spes, que significa “sentimento de quem vê como possível a realização daquilo que deseja; confiança em coisa boa”. Logo, “Esperança” tem um sentido muito próximo de “Fé”. Mas não podem ser confundidas.
                Além desta apresentação etimológica, não sei ainda se é minha pretensão discutir outros aspectos históricos sobre o assunto. Prefiro os míticos, que são mais divertidos.
Poucos sabem da história completa de como a Esperança foi apresentada ao mundo dos homens (e tomo aqui a liberdade de satisfazer um pouco da minha vaidade... Adoro mitos, contos, lendas e afins, assim como adoro contá-los).
                Os tempos eram outros e os deuses também. Prometeu (que não era um homem, mas um titã) havia roubado o fogo dos deuses e o deu de presente aos homens. A conquista do fogo é considerada uma das principais aquisições tecnológicas da vida humana. Por isso, Prometeu recebera como castigo a prisão em uma pedra, acorrentado, onde todos os dias uma águia viria para se alimentar de seu fígado e todas as noites, seu fígado cresceria. Mas este foi o castigo de Prometeu. Aos homens, Zeus reservou outro: a mulher.
                (...)
                Zeus pediu a Héfesto e Atenas que criassem um ser belo, frágil, cativante, persuasivo, aconchegante, paciente, inteligente e caloroso, qualidades que até hoje muitos homens pedem que as mulheres tenham. Mas Hermes também deu sua contribuição: colocou no coração da mulher a traição e a mentira. Zeus deu a este ser o nome de Pandora - a primeira mulher, e a enviou aos homens, como um “presente” ao rei Epitemeu.
                Acontece que Epitemeu tinha uma caixa, onde guardava todos os males deste mundo. O mundo, para quem não sabe, naqueles tempos era um lugar muito bom para se viver. Imagine morar em um local onde você não tem que se preocupar com nada, pois nada lhe fará mal? Não é o que todos esperam?
                Epitemeu disse para sua esposa que aquela caixa não deveria nunca ser tocada. Porém, a curiosidade bateu, e Pandora abriu a caixa... E lá se puseram a correr para fora a Fome, a Doença, a Guerra, a Discórdia, a Inveja, entre tanta coisa considerada má. Para evitar mais encrenca, Pandora fecha a caixa quase que imediatamente e – surpresa! – a única coisa que resta lá dentro é a Esperança...
                Curioso saber que a Esperança estava no mesmo local que coisas consideradas ruins. Curioso saber que foi uma mulher – não um homem – que liberou ao mundo aquilo que degenera o homem. É como se antes o Tempo não existisse e, com isso, também não existisse o seu caminhar por sobre as coisas mundanas.
                E o que tem a ver spes com a caixa de Epitemeu e com o Ano Novo, você deve estar a se perguntar? Todo Ano Novo é considerado por muitos como o mundo que havia antes da caixa de Epitemeu ser aberta. O Tempo não incide sobre nós nem em nossos desejos quando o ano é “novo”. Tudo é confiança no que há de melhor, e mais nada.
                E para que? Para vermos que, depois dos brindes, todas as coisas ruins continuam lá e nos restar apenas a esperança de que elas não sejam tão ruins assim desta vez... Que o ano seja misericordioso com nossos votos de prosperidade e que, por fim, cansados, apenas desejamos que ele passe depressa... “Ai meu Deus, faça esse ano acabar logo, que venha logo o Ano Novo e que tudo recomece bem!”, é o que muitos invocam.
Há aqueles que são piores. Se “a Esperança é a última que morre”, para muitos outros ela a única a que se valem o ano todo. Mesclam a Esperança com a Fé e por si só este gesto basta. Frente ao Mal, só se faz juntar as mãos e rezar, se enfiar na cama e esquecer que o mundo gira, acreditar, mais uma vez, que fazendo as mesmas coisas o resultado poderá ser diferente (e melhor) do que já se apresentou até o momento.
Da mesma forma que spes gerou a Esperança, gerou também a Espera. E Esperar é muito mais do que deixar o Tempo passar. É característica de quem não têm em suas mãos os meios para por em prática aquilo que se quer. É ser passivo à ação do Outro. É estar à mercê.
Logo, embora a Esperança seja o voto de esperar pelo melhor, é, na mesma medida, a admissão de que não há nada mais a se fazer além do que já foi feito. Por isso assistir uma pessoa que só tem a Esperança como companhia é uma das coisas mais dolorosas e desesperançosas que se possa testemunhar.
Pensaria, então, quão desgraçada foi Pandora ao abrir aquela caixa. Mas eu digo o contrário. Como o adverso é necessário para nosso crescimento, pois é através dele que percebemos se há ou não necessidade de esperar por algo ou fazer algo acontecer. Daí, vemos nosso real poder. Valho-me de Nietzsche nesses momentos: "A todos com quem realmente me importo, desejo sofrimento, desolação, doença, maus-tratos, indignidades, o profundo desprezo por sí, a tortura da falta de auto-confiança, e a desgraça dos derrotados". Quer situações melhores para por à prova do que se é feito?
Eu sinceramente quero que todos os meus queridos e queridas tenham anos bons, mas isso não implica que eles sejam prazerosos. Eu espero que meus amados tenham sonhos e força, para não se sentirem paralisados quando o “mal” os atingir. Nisso eu deposito minha esperança, pois não há nada que eu possa fazer para mudar o curso de suas vidas... Neste caso, só me resta esperar pelo melhor. Contudo, quando penso em mim, não posso, não me atrevo a ter esperanças. Deixo-a por último, como recurso derradeiro para governar a minha vida. Pois prefiro estar ciente do que existe à minha volta e como posso manipulá-la; escolho a consequência, não mais apenas a fé.
De todos os males a que eu gostaria de lhe proteger, cabe advertir sobre a Esperança precoce. Se a Esperança existe, é por um motivo, e deve ser usada em situação rara, não da forma corriqueira como é feito hoje pelas esquinas. Que o Mal se abata sobre suas cabeças, pois isso é inevitável. E que a solução seja produzida por suas mãos, pois isso é questão de escolha. Esta, sim, acaba sendo minha esperança.

Carinhosamente,

Marol

Ribeirão Preto, 09 de janeiro de 2012

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